Saturday, May 24, 2008

Desmarxizar a Universidade, de Jules Monnerot

(edição de Março de 1978)



Tradução de Armando Costa e Silva
Capa de Jorge Cardoso
Colecção Guias
Edição e arranjo gráfico de Fernando Ribeiro de Mello / Edições Afrodite

Na Contracapa

Jules Monnerot, autor traduzido em todas as línguas cultas, excepto o russo, em “Desmarxizar a Universidade”, obra de leitura particularmente oportuna hoje em Portugal,

Denuncia: a fraude intelectual do marxismo: Professores ensinam, a título de ciência, uma mitologia; a colonização da Universidade pela superstição e por crenças fanáticas que não têm a seu favor nem a verdade, nem a maioria; a exegese catequética a que se dedicam os docentes, sob camuflagem científica; a hipoteca dogmática que esmaga as Ciências Humanas; a destruição do espírito crítico e da liberdade exigida pela investigação; a generalização do erro pelo sistema de ensino, de raiz centralizadora e unitária; a produção em série de cretinos artificiais, cretinos “de cultura”, como se diz das pérolas; a violação da laicidade do ensino e da neutralidade do Estado, garantias da liberdade de consciência dos cidadãos;

Responsabiliza: os professores, os pais, a classe económica, a classe política, o Estado;

Diagnostica: a ruptura provocada pela contradição de uma cultura subordinada à verdade e o terrorismo do erro, imposto pelo clericalismo marxista;

Analisa: o novo pensamento revolucionário, no domínio estratégico e no plano táctico;

Demonstra: o risco de quebra da regular transmissão dos conhecimento, das técnicas e dos valores, que condiciona o desenvolvimento das sociedades avançadas;

Preconiza: a desmarxização da universidade.

Saturday, May 17, 2008

José Martins Garcia na Revista Ler


Ana da Silva entrevistou José Martins Garcia para a revista Ler (n.º 36 – Outono de 1996).
O colaborador de Fernando Ribeiro de Mello fala sobre a sua obra literária, destacando nós excertos onde se refere a livros publicados nas Edições Afrodite:


José Martins Garcia - ... de que serve que um poema meu seja lido em Paris, se eu sou perfeitamente desconhecido na ilha em que nasci? Eu não chego à ilha do Pico. Lugar de Massacre teve talvez mais críticas em língua inglesa (aquando da primeira edição) do que em português.

Ana da Silva - Há mais algum texto seu traduzido? Ninguém lhe fez uma proposta de tradução?

JMG - Só estes poemas foram traduzidos. O Álvaro Manuel Machado pôs a hipótese de traduzir Lugar de Massacre para francês. Chamar-se-ia Lieu de Massacre, mas essa tentativa falhou, e também acho que falha um bocadinho devido ao meu mau feitio. Eu, depois de fazer uma coisa, não me interesso muito por ela. Eu sei que há escritores que cuidam da sua imagem e das críticas que lhes fazem, que vão ver aos jornais se alguém se alguém disse bem ou disse mal, eu deixo tudo isso ao meu editor. Digo ao meu editor: «Eu já tenho o trabalho de escrever o livro, o resto é com você, comercialização, críticas, promoção.» Não tenho muita inclinação para a minha propaganda.

AS - A sua sátira visa alvos contraditórios num confronto entre concepções de vida, entre a moral estabelecida e outra moral subjacente (a das personagens e/ou dos narradores) que sofrem ambas permanentemente de um cepticismo que, talvez, nem sempre chegue a prevalecer?

JMG - Será esse cepticismo generalizável ao conjunto dos meus romances e ao conjunto dos meus contos? Creio que não. No Lugar de Massacre, há um texto de contracapa – na primeira edição – depois foi retirado – que parece ser de um cepticismo ou de um negativismo absoluto, mas não é, porque, numa conversa entre o paciente e o psiquiatra, o paciente afirma que há-de tentar destruir a ordem estabelecida. O que é um aspecto negativo dessa negatividade.

AS - Em Lugar de Massacre, a sátira à inutilidade do massacre de uma juventude numa guerra colonial absurda, que visa essencialmente alguns chefes paranóicos e megalómenos, opõe-se à lucidez da maioria das personagens e sua consciência do absurdo, da inutilidade desse massacre.

JMG - Sim, a grande maioria quer é acabar os dois anos de comissão e ir para casa, ninguém está a fazer nada naquela guerra. A hostilidade e a agressividade vão dar, por fim, aquele estado de coisas, aquela palhaçada que é a guerra colonial.

(...)

AS - A fome, o medo e a morte são três obsessões que deram origem a três títulos de obras a que chamou «a triologia do desespero»: A Fome, O Medo, e Imitação da Morte.

JMG - De facto vivi algum tempo obcecado pela ideia de que há três poderosos inimigos da dignidade humana: a fome, o medo e a morte.

(...)

Quanto a A Fome, também acabei por descobrir – um lapso na minha cultura, todos nós temos – que A fome era o título de um livro de um norueguês, Knut Hamsun. Quem me chamou a atenção para o facto de eu estar a usar um título que tinha sido usado por um Prémio Nobel da Literatura, mas do princípio do século, foi o Vergílio Ferreira, num cartãozinho em letra muito minúscula, dizendo: «Gostei muito do seu livro. Só lamento o título, porque foi usado por Knut Hamsun que, como deve saber, se tornou fascista.»
Eu pensei comigo: «Coitado, Vergílio Ferreira está cheio de boas intenções, mas eu não me vou tornar fascista por ter escrito A Fome.» Depois li A Fome de Hamsun, em francês. O livro não tem grande analogia temática, mas houve uma coisa que me surpreendeu. Em francês, há um indivíduo que é caracterizado como tendo «yeux aïgus» e eu, n´A Fome, uso a expressão «olhos agudos de fome». São estas coincidências que nada podem explicar, porque eu não tinha lido Hamsun.

(...)

A Fome, aliás, é um titulo complexo – não é só a fome material, é fome espiritual, fome de amor, fome de entendimento, fome de solidariedade...

Pinguim em Fundo Branco - a história e a ilustração



Era uma vez um pinguim...

Vocês estão a ver uma enorme planície branca, muito branca, luzidia, muito luzidia... A terra está coberta de gelo. O mar está gelado. Aquela onda, acolá, que ia a crescer sobre a onda seguinte, ficou suspensa no ar, a meio do movimento. Gelada. É uma onda a posar para um retrato, muito quietinha, à espera do degelo para acabar de ser onda.
As noites são brancas, os dias são brancos e o sol, que se escondeu, também era branco. Apetece falar de mil lençóis estendidos no chão, de claras batidas em castelo, de «chantilly», de natas, de leite, de mantas de arminho, de gelados de baunilha, mas nada disto serve. O Pólo Sul é ainda mais branco. Tal e qual como vos digo.

No centro de toda esta brancura não é difícil encontrar um pinguim. Os pinguins têm o papo coberto de penas brancas, mas o dorso, as asas e a cabeça embuçados em penas pretas. São umas aves muito respeitáveis, que se passeiam de um lado para o outro com as asas atrás das costas, e fazendo muitas curvaturas com a cabeça. Quem as vir pela primeira vez dirá:
- Parecem pessoas de casaca.
Enganam-se. Quando as pessoas começaram a andar de casaca já havia pinguins, há muito tempo. Por isso talvez se pudesse dizer, vendo um cortejo de pessoas encasacadas:
- Parecem pinguins...
Mas lá me estou eu a afastar da minha história. Toca a voltar ao princípio:
Era uma vez um pinguim... todo branco.
Nunca se tinha visto nada de semelhante no Pólo Sul e arredores. O caso parecia tão estranho para os restantes pinguins pretos e brancos, como se de um ovo de pinguim tivesse nascido um papagaio. Nem mais!
O pinguim da nossa história tinha a cabeça e as asas brancas como uma pomba e o papo branquinho como o de qualquer pinguim que se preze. De resto, quanto à configuração do corpo, ao modo de andar e aos meneios da cabeça não se punha em dúvida que não fosse pinguim, mas... branco.
Naquele eterno deserto de gelo, sem nada de interesse que distaria a vista e ajude a passar o tempo, os pinguins entretêm-se a jogar às escondidas. Jogam por desfastio e porque não há mais nada para fazer. Um fecha os olhos e conta, pausadamente, até dez, e os outros correm (devagarinho!) a esconder-se.
- Já está! – dizem eles.
Numa terra em que tudo é branco, o jogo das escondidas não é nada fácil. De um monte de gelo ou da crista gelada de uma onda, sobra sempre uma pena mal alisada das asas, o cocuruto da cabeça ou uma pontinha do rabo que logo se distinguem do fundo todo, todo, todo branco.
- Vi-te.
- Não me viste nada – e, sem querer, o pinguim escondido mostra um bocadinho mas das asas pretas.
- Agora é que te vi.
Assim se divertem os pinguins, no Pólo Sul. Mas o nosso pinguim todo branco não podia jogar às escondidas, porque os outros não deixavam. Como é que havia de se descobrir um pinguim todo branco no meio daquele deserto de gelo tão branco como o pinguim todo branco?
Por isso o pinguim todo branco vivia muito triste, sem ter com quem brincar. Passava os dias a dormir e a sonhar com gelo azul, verde, amarelo, lilás... enfim, de qualquer outra cor que lhe permitisse jogar às escondidas com os seus irmãos, os pinguins pretos e brancos.

.......

Da última vez que eu estive no Pólo Sul, fui encontrá-lo muito desanimado. Contou-me as suas desgraças e pediu-me auxílio.
- Vamos ver o que se pode arranjar! – respondi-lhe eu.
Pensei em várias soluções irrealizáveis, coisas do arco-da-velha, completamente desmioladas, e acabei por lhe pedir para vir comigo.
- Tenho a impressão que lá, em Lisboa, tudo se resolve. Venha daí!
Ele veio. Levei-o para minha casa, arranjei-lhe um lugar mais ou menos confortável no frigorífico e telefonei para um amigo meu, que é um pintor cheio de talento e uma pessoa muito amável.
Queria que vissem a ligeireza e a perícia com que ele pintou as asas, o dorso e a cabeça do pinguim todo branco. Trabalho perfeito! E, como ponto final de distinção, ainda lhe desenhou um laço primoroso a realçar-se sobras as penas brancas do peito.
Já não era o pinguim abatido e descorado que eu trouxera comigo, mas um pinguim novo, fresquinho, a cheirar a tintas, um distinto pinguim branco e preto.
Seguiu logo para o aeroporto, com imensa pressa de voltar para os desertos gelados do seu país.

.......

Recebi há dais do Pólo Sul, uma pequena carta cheia de cumprimentos e agradecimentos ao meu amigo pintor, mais isto e mais aquilo... e acabava pedindo muita desculpa por não escrever mais, mas os outros pinguins estavam a chamá-lo para ir jogar às escondidas.
Vejam como é fácil tornar feliz um pinguim!

Uma história da edição Pinguim em Fundo Branco


Uma história e ilustração do livro Pinguim em Fundo Branco:

D. Fuas, Domador

Querem vir comigo ao circo? Sou eu que convido, isto é, sou eu que pago. Venham daí! Cabem todos.
.....

O espectáculo que hoje vos quero oferecer e que me preparo para vos contar tem que se lhe diga. Coisa rara, coisa escolhida do melhor que tenho visto.
E creiam que já vi muitos espectáculos de circo com números inacreditáveis, que nem vale a pena contar, porque, já se vê, ninguém me acreditaria. Vi a Mulher-Serpente, o Homem-Elástico e a filha de ambos, que se chamava a Serpente-Elástica. Vi acrobatas-ciclistas, ciclistas-acrobatas, ciclastas-acrobistas, acrobistas-ciclastas... Eu sei lá o que já vi! Mas há um número que nunca me esquecerei – o Dom Fuas, domador de pulgas.
Este Dom Fuas especializara-se a domar e amestrar animais de toda a espécie. Começara por amestrar elefantes, depois leões, depois focas, depois tartarugas (um número muito lento, que demorava três horas), depois cães, depois ratos e, finalmente, pulgas, centenas de pulgas que ele catara aos outros bichos, com que, sucessivamente, tinha trabalhado.
Recordo com um sorriso a sua última apresentação em público. Que extraordinário espectáculo!
Dom Fuas, cansado de tanto trabalho com tão variados bichos, abandonava abandonava o circo para se dedicar à jardinagem. Pelo menos, foi isto que ele nos disse antes de começar, pela última vez, o seu número com as pulgas amestradas.

Dom Fuas tinha como auxiliares dois cães muito velhos e felpudos, um castanho e outro preto. O castanho é que trazia as pulgas no lombo, pois o pobre animal não parava de se coçar.
Dom Fuas agitava uma varinha e ordenava:
- Meninas (assim ele chamava às suas discípulas pulgas), saltem para o preto.
Eu estava na última fila das bancadas e só vi o cão castanho deixar de se coçar, e o cão preto, até ai muito sossegado, começar a sacudir furiosamente uma das patas traseiras contra a barriga.
- Meninas, saltem para o castanho – gritava Dom Fuas, postado entre os dois cães
Tudo voltava ao princípio. Coçava-se o castanho, descansava o preto. Grande parte do espectáculo era preenchida com esta habilidade. Esqueci-me de dizer que os cães se afastavam cada vez mais um do outro: primeiro, à distância de um passo, depois, dois passos, três passos... até vinte passos. Isto tornava o trabalho cada vez mais arriscado para as meninas, perdão, para as pulgas. Cada novo salto era acompanhado de palmas entusiásticas (o circo estava à cunha), dedicadas tanto às audaciosas pulgas-atletas como ao extraordinário domador.
Por fim, Dom Fuas, dirigindo-se ao público, recordou, num discurso comovido, os melhores passos da sua carreira de domador. E disse a certa altura:
- Os animais que me serviram nunca tiveram razões de queixa! Enquanto comigo trabalharam, concedi-lhes carinhos e bons tratos. Quando os despedia, proporcionava-lhes sempre uma nova vida...
(Aplausos e apoiados vindos do público.)
- Levei os elefantes e os leões para o meio da selva e dei-lhes liberdade. Levei as focas e as tartarugas para o meio do mar e dei-lhes liberdade. Levei os cães e os ratos para o meio da rua e dei-lhes liberdade.
Era um nunca acabar de palmas e de vivas a Dom Fuas, benfeitor dos animais.
- Só me restam estes dois fiéis servidores (apontando para os cães) que preferem envelhecer comigo, na tranquilidade do meu jardim. Ainda estão, é certo, submetidas às minha disciplina as cento e cinquenta e duas pulgas, cujo trabalho Vossa Excelências acabaram de presenciar. Mas...
Nesta ocasião, algumas pessoas mais perto da pista começaram a levantar-se apressadamente.
Dom Fuas prosseguiu:
- ... Mas em breve irão seguir o mesmo caminho dos elefantes, dos leões, das focas, das tartarugas, dos cães, dos ratos...
Eu estava ao pé da porta e, num salto, cheguei à rua. Um salto de mais de vinte pés! Todo o público que enchia o circo correu para as portas, numa tal confusão que até parecia que alguém tinha gritado afogo. Mas, no meio do barulho, ainda se ouviu a voz de Dom Fuas, no centro da pista:
- Meninas, minhas queridas pulgas, sois livres!
Como tinha sido dos primeiros a pôr-me a salvo, tive adita de presenciar a saída da maioria dos espectadores e, podem crer, nunca ma ri tanto. Era de supor que toda aquela gente tivesse aprendido com os pobres cães do Dom Fuas a arte de coçar pulgas...

Pinguim em Fundo Branco, de António Torrado

(Edição de Janeiro de 1978)



N.º 6 da Colecção infantil Cabra-Cega
Capa e ilustrações de Fernando Calhau

Tuesday, May 13, 2008

As cintas

Algumas edições de Fernando Ribeiro de Mello tinham cintas promocionais muito curiosas. Num único post, apresentamos as que ainda acompanhavam exemplares que adquirimos:


A Vénus de Kazabaika - Leopold Von Sacher Masoch, 1966




Último Relatório Sobre a Situação Geral do País do Ex-Ministério do Interior para a Ex-PIDE/D.G.S.




As Crianças Falam, recolha e selecção de textos por Adriana Areal Calvet e Elsa Anahory, 1973




O Processo dos Távoras: A Expulsão dos Jesuítas, Conselho de Ministros de D. José I, 1974




A 3ª Guerra Mundial Já Começou – Jacques Bergier, 1977




Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à actualidade – Selecção, prefácio e notas de Natália Correia. Ilustrações de Cruzeiro Seixas, 1966




Aventuras de Alice no País das Maravilhas - Lewis Carrol, 1971, 1ª Edição




Cara Lh Amas - E. M. de Melo e Castro, 1975




O Supermacho - Alfred Jarry, 1975

A censura às obras de Natália Correia


O terceiro número da série Cadernos Biográficos (distribuída com o jornal Público; editada pela Parceria A. M. Pereira), foi dedicado a Natália Correia. Da responsabilidade de Paulo Marques, o volume apresenta um pequeno texto dedicado à censura de obras de Natália Correia, onde naturalmente é referida a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica:

A censura às obras

Este ser em “permanente conflito, que se procurava algures entre o touro bravo que investe e a pomba branca que pacifica” viu ao longo da vida muitas das suas obras proibidas pela censura do Estado Novo, nomeadamente a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1966) que causou grande escândalo e levou a que fosse condenada a três anos de prisão com pena suspensa, O Homúnculo (1965) ou a peça O Encoberto (1969).

Fernando Dacosta revela em Máscaras de Salazar que: “Natália Correia tirou, com O Homúnculo, o sono ao ditador. Foi uma das obras contra si que mais o perturbaram. A energia, a escrita, a profundidade, a irreverência da autora impressionaram-no profundamente. Quando a PIDE lhe foi comunicar a prisão da poetisa e a apreensão da obra, responde: ´Retirem o livro, sim, mas não toquem nela. É uma mulher muito inteligente`.”

Também foi processada pela responsabilidade como editora do livro Novas Cartas Portuguesas (1972) de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta, - “As Três Marias” -, que fazia a defesa do feminismo.

Monday, May 12, 2008

O Socialismo: Fenómeno Mundial, de Igor Chafarevitch

(edição de Outubro de 1977)



Tradução de José Martins Garcia
Capa de Nuno Amorim
Colecção Doutrina / Intervenção
Edição e arranjo gráfico de Fernando Ribeiro de Mello / Edições Afrodite

Na contracapa


O socialismo não é apenas o depositário de velhíssimos sonhos de emancipação. É também a promiscuidade totalitária revestida de utopia.
O socialismo não é apenas o delírio igualitário, transportando no ventre o feto da opressão. É também uma «técnica» para a conquista do poder. E a humanidade estará a ser arrastada para o suicídio?...
IGOR CHAFAREVITCH apresenta-nos a mais espantosa visão do fenómeno socialista, acerca do qual SOLJENITSINE afirmou: «esta obra, que se serve duma abundante literatura já conhecida pelos especialistas, consegue examinar segundo uma óptica nova e penetrante o percurso milenar do socialismo mundial, e surge, como a lógica exige, num país, que está a viver a mais longa e cruel experiência socialista dos Novos Tempos.»
Referindo-se ao interesse dispensado pelo eminente matemático I. R. Chafarevitch aos problemas ideológicos, Soljenitsine acentuou que «os representantes das ciências exactas substituem doravante, no mundo comunista, os seus irmãos dizimados».
Com efeito, a desmontagem do fenómeno socialista foi aqui empreendida com um rigor científico que, não desdenhando as últimas conquistas da psicanálise, abre as portas às mais profundas interrogações sobre o Homem e a Sociedade.

Friday, May 02, 2008

Pachecus Scriba

Baptista-Bastos no suplemento «Letras e Artes» do «Diário Popular» de 22 de Dezembro de 1977, a propósito de Luiz Pacheco e a edição de «Textos Malditos»:

Pachecus Scriba

Pode-se gostar ou não gostar de Pacheco; pode-se estimar ou odiar Pacheco – não se pode é ignorá-lo. Este sátiro de três ao vintém, libertino de extracção caseira, redutor da vulgaridade e da grosseira, alcoólico, intriguista maior, retirante de todos os sítios, litera do séc. XIX ressurrecto em truculência, saltimbanco, incongruente, inconsequente – fez da literatura um meio de vida e desta um universo próprio. Luiz Pacheco é meu amigo, mas eu não acredito no diabo. Faço uma perífrase do conceito que Claude Roy aplicou a Roger Vailland e acrescento que a amizade entre mim e o Pacheco tem sido edificada sem precauções de qualquer espécie: sei que, um dia destes, se lhe der na mona, ele dirá pessimamente de mim soltando casquinadas intermitentes, a sua forma de escárnio e mal dizer. Vai para vint´anos que decilitramos em conjunto, na prática do desporto líquido que liga irmãos de critérios diferentes, oriundos de uma família que se entende por gestos, sinais e absurdos. Por três ou quatro vezes escrevi um par de disparates sobre Luiz Pacheco e os seus textos; por três ou quatro vezes, Luiz Pacheco escreveu um par de disparates sobre mim e os meus textos. Nunca ficámos quites: fomos à bebida e passamos adiante. Agora, Fernando Ribeiro de Mello ataca em dó maior um livro superior deste companheiro inconformado: «Textos Malditos». È proibido não o ler. Ai está a degradação de um certo viver quotidiano; a lucidez militante de uma criatura que recusa os prestígios fáceis; as tonteiras de uma prosa singularmente ladina e asseada, quero dizer: viva e sem enxúndia; o traço de união entre a miséria e a glória. E avanço: na grandeza e na desgraça só encontro paralelo em Gomes Leal, sabem quem é? Luiz Pacheco é a antítese do caligrafismo, seja: bate-se contra a frase padreca de uma literatura de santões e de arcanjos de asa branda. A estória sem historinha, a dilaceração sem uma lágrima, e três obras-primas, «O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor», «Porto-Lisboa, apedir esmola» e «Os doutores, a salvação e o menino». Não vai mais, no instante. Como nas feiras antigas, o grito apelativo é sempre o mesmo: «É entrar! É entrar!» Pachecus, scriba, não oferece fruta bichada a ninguém do distrito. Sob palavra o digo, e assino

BAPTISTA-BASTOS

Cuidado, ó Pacheco!



Uma nota sobre o lançamento de «Textos Malditos», de Luiz Pacheco, no destacável «Letras e Artes» do «Diário Popular» de 24 de Novembro de 1977:

«Textos Malditos», de Luiz Pacheco, vai ser lançado (Edições Fernando Ribeiro de Mello / Afrodite) ainda este mês. A edição com ilustrações de Henrique Manuel, está pronta desde Maio passado, e – ao que consta – terá magnifica apresentação gráfica, aliás comum às obras saídas com a chancela daquela editora. Os textos avulsos, foram proibidos, apreendidos, condenados em tribunais plenários, durante o fascismo. Apostila: Luiz Pacheco, que está em PREC (processo de recuperação em curso, segundo a sua própria definição), muito bem instalado em Celas, para os lados de Coimbra, tem desenvolvido uma actividade escrevente particularmente notável: além do «Diário Popular», «Diário de Notícias» e «O Jornal», além de dois ou três livros que fazem ranger os prelos de furor incontido, prepara a escrita para ser publicada em revistas e jornais brasileiros. Cuidado, ó Pacheco: olha que a «humaníssima figura» de Geisel se calhar não vai à bola com a tua fraseologia!