Wednesday, November 14, 2007

Entrevista a Orlando Neves

Fernando Ribeiro de Mello entrevistou Orlando Neves para o Jornal de Letras e Artes, de 3 de Fevereiro de 1965.


«A criação de uma escola de teatro é a grande ambição do círculo de cultura teatral» - diz-nos o Dr. Orlando Neves

O facto de o Teatro Experimental do Porto ser a única companhia de teatro profissional em funcionamento na segunda cidade do País, implica alguns problemas cuja gravidade não pode deixar de suscitar a mais curiosa atenção dos leitores do «Jornal de Letras e Artes».
Na qualidade de presidente da Direcção do Circulo de Cultura Teatral, sob cuja orientação se encontra o T.E. P., o dr. Orlando Neves era a personalidade mais indicada para interrogarmos.
P. – Como encara a situação e o significado de o T. E. P. Tendo em atenção ser ele a única Companhia de Teatro Profissional em funcionamento no Porto?
R. – Como sabe o, T.E. P., e é ainda, uma companhia profissional de características dissemelhantes das demais portuguesas. Partindo de uma associação, o Círculo de Cultura Teatral que, estatutariamente, não limita os seus fins apenas à manutenção de Teatro Profissional, o T. E. P., por via disso, terá de ser sempre diferente de outras organizações congéneres. Aqui não há empresários nem fins lucrativos. Há, unicamente, um objectivo: divulgar a cultura teatral. Portanto, toda a gente que trabalha no C. T. T., desde os directores eleitos pela massa associativa, ao actor contratado e ao empregado de secretaria têm de formar um bloco, uma equipa com um ideal comum, o citadino. Pessoalmente, afigura-se esta orgânica a mais certa no panorama teatral português: a prova dá-a a actividade do C. C. T. E do T. E. P.: 12 anos de trabalho ininterrupto (o que significa a organização mais antiga do Teatro Português, tirando o Teatro Nacional); um reportório que atingiu já 57 espectáculos diferentes com um nível médio geral notável, superior a qualquer outro de qualquer outra companhia; um conjunto de actores e encenadores saídos de cá e que hoje são grandes figuras da cena portuguesa; uma obra de divulgação de Teatro que abrange todo o País.
A quem se deve tudo isto? Aos elementos que durante todos estes anos passaram pelo C. C. T., onde quer que exercessem a sua actividade; ao apoio carinhoso dum núcleo de associados (e, no entanto, tão poucos! – actualmente 2300 para uma população portuense de 400 000 habitantes!) ai auxílio do Fundo de Teatro, da Fundação Gulbenkian, da Câmara Municipal do Porto, dos órgãos de informação pública.
E, apesar disto, quanto mais seria possível realizar! Bastava-nos uma casa de espectáculos maior! Pasme-se: o nosso Teatro de Bolso tem 150 lugares, onde dezenas de milhares de espectadores assistiram já a autênticos «milagres» teatrais!
P. – A denominação de Experimental atribuída à Companhia do Círculo de Cultura Teatral, pressupõe, em princípio, num tipo específico de teatro com implicações de ordem técnica e literária, no que respeita à realização, à selecção e à interpretação dos textos. Como se tem desenvolvido, neste sentido, a actividade da Companhia?
R. – Já António Pedro afirmou, numa publicação-roteiro da actividade do T. E. P., o seguinte: «Quando me aconteceu tomar conta da direcção do Teatro Experimental do Porto já ele se chamava assim, ou era já, pelo menos, assim esatutariamente designado, sem jeito fácil de se lhe mudar o nome. Não é, portanto, da minha responsabilidade o adjectivo «experimental», que não faz a outros menos engulhos do que a mim.
Em todo o teatro vivo, como em todas as artes que o são e não mero exercício para divertimento de habilidosos desocupados, o que pertence à experiência e ao ensino de novos processos e de técnicas novas faz parte tão integrante da sua própria essencialidade que me não parece necessário sublinhar-lhe a característica. Mais: por redundante, tal designação parece deixar supor como aceitável um teatro que a não justifique, e nenhuma companhia ou agrupamento de teatro que pretenda realizar obra séria e artisticamente válida poderá deixar de ser, em certos aspectos pelo menos, «experimental», sem o risco de que a sua actuação académica, por mais perfeita, cheire ao desgosto duma exploração comercial sem outra finalidade».
E tinha razão.
Não quer dizer que não se fizeram experiências. Fizeram. A prova está em que T. E. P. lançou as bases do ressurgimento do Teatro em Portugal. Mas que a actividade tenha sido típica e orientadamente experimentalista, não foi.
Uma opinião que também é pessoal: interessa o experimentalismo teatral na nossa época, «aqui e agora»?! Penso bem que não. Antes disso há que divulgar o Teatro. Porque este, diga-se, não tem público. È necessário, sim , levá-lo a toda a parte, a toda a gente. O experimentalismo em Teatro, como em tudo, é atitude intelectual – sem apoio público, popular. Formemos o gosto pelo Teatro, através da sua forma popular, que, claro, não é comercial. Os grandes autores fazem, fizeram teatro para o povo. São eles que devem ser representados, estudados, divulgados. E, pese tudo o que possa pesar, ainda é possível fazê-lo – se esquecermos a gloríola pessoal, o endeusamento pela elite, oculta.
P. – Qual o espírito ou critério que tem presidido à orientação do Conselho de Teatro para a escolha das obras a serem entregues á Companhia?
R. – Ora aí tem: as resposta anterior diz-lhe do critério. Senão vejam-se as peças e os autores da época finda e as previstas para esta: «Jorge Dandin», de Moliére; «A Farsa de Mestre Panthelin», de autor desconhecido francês do séc. XV; «Monólogo do Vaqueiro», «Todo o Mundo e Ninguém»; «O Pranto de Maria Parda», «Farsa de Inês Pereira», de Gil Vicente; «Terra Firme», de Miguel Torga; «Os Burossáurios», de Silvano Ambrogi; «A Carta Perdida», de Ion Luca Caragiale; «O Render dos Heróis», de Cardoso Pires; «D. Gil das calças Verdes», de Tirso de Molina; «O Crime da Cabra», de Renata Palottini; «O Avançado Centro Morreu ao Amanhecer», de Augustin Cuzzani; «O Dia Memorável do Sábio Sr. Wu», de autor anónimo chinês.
P. – Como considera o interesse da criação de uma escola de Teatro, para aperfeiçoamento dos actores integrados na Companhia do T. E. P. e para formação de futuros actores?
Porque não foi criada tal escola até este momento?

R. – Essa é a grande ambição do Círculo de Cultura Teatral. Mas, vejamos: o que interessa como escola? Não será uma organização a sério, com bastantes professores especializados, cadeiras, disciplina, estrutura? Penso que sim. Mas como fazê-lo? Os únicos problemas são: dinheiro e espaço. Uma escola desse tipo, custa centenas de contos se quiser-mos dar-lhe nível e seriedade. Onde buscá-los? O T. E. P. vive do subsídio oficial e da quotização. Ora essas duas receitas «não chegam» para pagar vencimentos e montagens. Como criar a escola? Além, disso dispomos de uma sala permanentemente ocupada. Onde procurar o subsídio para essa escola? Já foi pedido, várias vezes, à única entidade capaz de o dar: a Gulbenkian. Judiciosamente, com argumentação inteligente essa solução foi protelada, ficando nós a aguardar a mudança de determinadas situações.
Claro, há as situações de remédio, que são panaceias –mesmo assim com a sua utilidade: o aproveitamento das pessoas que passam no T. E. P. para ministrarem aulas, aulas, práticas.
Isso se tem feito, isso se está a fazer. È pouco; é o máximo.
Daí ter a Direcção actual concluído ser a melhor e a mais profícua, nas actuais circunstâncias, económicas do C. C. T., de entre todas a soluções possíveis, aquela que se pratica agora – a criação de novos actores mercê de uma intensa actividade prática dando todas as oportunidades e apoio ao ingresso nos quadros do T. E. P. dos que demonstrem ter talento e patenteiem aquele amor que uma profissão exige.
P. – Qual pensa que poderá vir a ser a futura actividade do C. C. T. E do T.E. P.?
R. – Como de início, pioneira,. O T. E. P., pode lançar as bases de autêntico e válido teatro popular. E além disso, continuar sendo o maior e melhor viveiro de actores e encenadores. Penso serem estas as duas grandes linhas mestras da futura actividade.