Wednesday, November 14, 2007

Porquê a edição de Jonas ou O Amor Numa Baleia


ACL - E não decidiu ficar por aí? Achou que essa via, uma hostilização à Censura feita num grau nunca visto em Portugal, era uma importante via de Oposição?

Fernando Ribeiro de Mello - Achei. Achámos. Se havia Angola, Moçambique e a Guiné a troar ao longe, outros incómodos mais discretos mas que molestrassem perto talvez contribuíssem para abalar o sonambulismo nacional, fanático e solitário, e para nos fazer entrar para o Mundo.- Longe de se intimidar, ocorreu-lhe o Sade.- Foi em 1965. A Afrodite tinha feito um falsa trégua dando crer que estava regenerada e se limitaria a obras “possíveis”. Um bom exemplo disto foi aquele Cami, livro para fazer tempo e a bem dizer desinteressante, aproveitador sem imaginação da onda francesa que andava a recuperar humoristas do fim do século. Mas uma noite, na casa da Natália Correia, alguém alvitrou o Sade. Era uma hipótese de provocação máxima, associada ao peso de um grande nome da literatura. Havia dificuldades: quase todos os livros “fortes” do marquês tinham dimensões incompatíveis com os dinheiros e os riscos económicos que a editora podia correr. Nada de Justines nem de Julietas, nada de 120 dias: praticamente só sobrava A Filosofia na Alcova. Como o pintor Cruzeiro Seixas tinha um exemplar da edição Pauvert abrigado na Estrada da Ameixoeira, lancei mãos à obra. O Herberto Helder aceitou fazer a tradução, o João Rodrigues as ilustrações. A meio do empreendimento ocorreu-me que era bom jogar com dois prefácios, um pró e outro contra. Não foi difícil encontrar as pessoas indicadas pois havia, por um lado, a vocação libertina do Luiz Pacheco pronta a dar a cara, por outro lado o peso erudito e reconhecidamente bem comportado do David Mourão-Ferreira.

Apresentação de Cami


Em jeito de prefácio à edição do post anterior, o tradutor Liberto Cruz (na foto) escreveu uma apresentação de Pierre-Henri Cami:

Pierre-Henri Cami, ou simplesmente Cami, como era e ficou conhecido, pertence ao número daqueles escritores que, depois de terem entusiasmado e feito a delícia duma geração, se perde subitamente no emaranhado das novidades que o tempo arrasta e vai fabricando sem cessar.
Cidadão francês, nascido em Pau, em 1884, entra aos 19 anos para o Conservatório onde se não demora muito. Todavia o teatro, com todos os seus truques e malabarismos, vai-lhe ser útil no campo das letras. Tendo aprendido e sabendo perfeitamente como deve conquistar o espectador e faze-lo rir, Cami traz para a literatura toda essa técnica do inesperado, do absurdo, do ingénuo, do cómico, do atroz, do riso amargo e expontâneo.
Em 1910 (cinco anos depois da morte de Alphonse Allais), Cami funda e dirige Le Petit Corbillard Illustr, organe Coporatif et humoristique des Pompes Funébres. Trata-se de um bi-mensário que declara não reconhecer os Académicos como Imortais, e adopta a seguinte divisa: Humor, Prazer e Necrotério.
Autêntico topa-a-tudo, Cami desdobra-se febrilmente para ser ilustrador, poeta, contista, autor de canções, escrevinhador de pilhérias e longos artigos repassados de humor e fantasia. O jornal dura pouco (uns escassos sete números) mas o tempo suficiente para impor e tornar conhecido o nome de Cami. Solicitado por vários jornais e revistas, a todos atende com afinco e entusiasmo. Escrever parece ser a sua única função na vida. A este propósito, diz-nos Michel Laclos:

«Durante anos e anos, vai escrever, escrever sem parar, renunciando a qualquer outra actividade, tomando apenas o tempo para se alimentar, assistir ao baptismo e depois ao casamento da filha. Escreve. Podemos lê-lo em Le Petit Parisien, Excelsior, Le Dimanche Ilustré, Paris-Soir, Le Mercle Blanc, L´Humor, Paris–Matinal, Vanity-Fair, etc.».

Discípulo de Alphonse Allais, os seus primeiros trabalhos denunciam uma clara influência do Mestre do non-sens e do absurdo. Aliás, era inevitável, Allais deixou a sua marca inconfundível em todos os humoristas que se lhe seguiram. Cami consegue, no entanto, libertar-se, mercê dum trabalho exaustivo e duma imaginação fertilíssima. Os leitores dos periódicos do primeiro quartel do nosso século aguardam com impaciência La Semaine Camique, entusiasmam-se com as delirantes Aventuras do Barão de Crac, pasmam com as deduções e a astúcia do celebérrimo detective Loufock-Holmés, reconhecem-se com gáudio e receio nas atribulações ridículas da Família Rikiki. Compra-se o jornal para ler Cami, para rir com Cami. E os leitores jamais deixarão de fazê-lo. O humor de Cami é destruidor e salutar, construtivo e sentencioso, absurdo e ingénuo, satânico e lírico, negro e delicioso, fantástico e real, surreal e romântico.
Autor de dezenas de romances e várias centenas de contos, a obra de Cami, mesmo em França, está longe de ser conhecida. Assinale-se contudo o entusiasmo crescente que vem tendo ultimamente, como que a recompensar o injusto esquecimento em que caiu.
Saudado em vida por um Charlie Chaplin, que lhe chamou o maior humorista do mundo, por um Ramon Gomez de la Serna, um Ionesco, e tantos outros, morreu em 3 de Novembro de 10958, com 74 anos de idade. Ainda segundo Michel Laclos, a lista dos jornais que lhe consagraram uma notícia de sua morte cabia à vontade nas costas duma caixa de fósforos.
Ao publicarmos esta selecção de contos de Cami, uma das primeiras em língua portuguesa, não temos a pretensão de o revelar. O autor de O Desglandulado da Floresta Virgem é já conhecido de muita gente. Que o digam alguns humoristas portugueses...

Jonas Ou o Amor numa Baleia e outros Contos, é especialmente para o grande público, para os que gostam de rir mas sabendo sempre porquê. E Cami concede-nos generosamente esse privilégio. Com uma economia de palavras, uma linguagem acutilante aparentemente ingénua, uma sábia condução no enredo que narra, um desfecho inesperado para cada história, um humor especial para cada personagem, para cada classe, uma fantasia transbordante e uma imaginação sempre renovada, Cami escrevia para toda agente. Por isso, os contos apresentados neste volume são susceptíveis de conquistar o mais exigente dos leitores. Jamais se afastando da vida de todos os dias e deliberadamente mergulhado no quotidiano, é dos homens e das coisas do seu tempo, e de todos os tempos, que fala e escreve. É certo que o seu processo literário foge constantemente para o surreal, para o absurdo, mas isso é apenas um modo de tornar mais real e viva a ficção que dolorosamente o atormentava.
Se o aparecimento destes contos de Cami levar o leitor a interessar-se pela sua obra e pelo extraordinário humour camique, é porque conseguimos o nosso objectivo. E isso nos basta.

Liberto Cruz

Jonas ou o Amor Numa Baleia, de Pierre-Henri Cami

(edição de 1966)



Afrodite – Autores Estrangeiros
Tradução de Liberto Cruz
Colaboração gráfica de João Vieira

Na contracapa


Com Pierre-Henri Cami, o grande mestre da moderna literatura humorística, inaugura Edições Afrodite a sua Colecção de Autores Estrangeiros. Nela serão revelados aos leitores portugueses algumas das obras mais vivas da literatura de todos os tempos.

As entrevistas


As quatro entrevistas que Fernando Ribeiro de Mello (na foto) fez para o Jornal de Letras e Artes em 1964/65:




Entrevista a Orlando Neves

Fernando Ribeiro de Mello entrevistou Orlando Neves para o Jornal de Letras e Artes, de 3 de Fevereiro de 1965.


«A criação de uma escola de teatro é a grande ambição do círculo de cultura teatral» - diz-nos o Dr. Orlando Neves

O facto de o Teatro Experimental do Porto ser a única companhia de teatro profissional em funcionamento na segunda cidade do País, implica alguns problemas cuja gravidade não pode deixar de suscitar a mais curiosa atenção dos leitores do «Jornal de Letras e Artes».
Na qualidade de presidente da Direcção do Circulo de Cultura Teatral, sob cuja orientação se encontra o T.E. P., o dr. Orlando Neves era a personalidade mais indicada para interrogarmos.
P. – Como encara a situação e o significado de o T. E. P. Tendo em atenção ser ele a única Companhia de Teatro Profissional em funcionamento no Porto?
R. – Como sabe o, T.E. P., e é ainda, uma companhia profissional de características dissemelhantes das demais portuguesas. Partindo de uma associação, o Círculo de Cultura Teatral que, estatutariamente, não limita os seus fins apenas à manutenção de Teatro Profissional, o T. E. P., por via disso, terá de ser sempre diferente de outras organizações congéneres. Aqui não há empresários nem fins lucrativos. Há, unicamente, um objectivo: divulgar a cultura teatral. Portanto, toda a gente que trabalha no C. T. T., desde os directores eleitos pela massa associativa, ao actor contratado e ao empregado de secretaria têm de formar um bloco, uma equipa com um ideal comum, o citadino. Pessoalmente, afigura-se esta orgânica a mais certa no panorama teatral português: a prova dá-a a actividade do C. C. T. E do T. E. P.: 12 anos de trabalho ininterrupto (o que significa a organização mais antiga do Teatro Português, tirando o Teatro Nacional); um reportório que atingiu já 57 espectáculos diferentes com um nível médio geral notável, superior a qualquer outro de qualquer outra companhia; um conjunto de actores e encenadores saídos de cá e que hoje são grandes figuras da cena portuguesa; uma obra de divulgação de Teatro que abrange todo o País.
A quem se deve tudo isto? Aos elementos que durante todos estes anos passaram pelo C. C. T., onde quer que exercessem a sua actividade; ao apoio carinhoso dum núcleo de associados (e, no entanto, tão poucos! – actualmente 2300 para uma população portuense de 400 000 habitantes!) ai auxílio do Fundo de Teatro, da Fundação Gulbenkian, da Câmara Municipal do Porto, dos órgãos de informação pública.
E, apesar disto, quanto mais seria possível realizar! Bastava-nos uma casa de espectáculos maior! Pasme-se: o nosso Teatro de Bolso tem 150 lugares, onde dezenas de milhares de espectadores assistiram já a autênticos «milagres» teatrais!
P. – A denominação de Experimental atribuída à Companhia do Círculo de Cultura Teatral, pressupõe, em princípio, num tipo específico de teatro com implicações de ordem técnica e literária, no que respeita à realização, à selecção e à interpretação dos textos. Como se tem desenvolvido, neste sentido, a actividade da Companhia?
R. – Já António Pedro afirmou, numa publicação-roteiro da actividade do T. E. P., o seguinte: «Quando me aconteceu tomar conta da direcção do Teatro Experimental do Porto já ele se chamava assim, ou era já, pelo menos, assim esatutariamente designado, sem jeito fácil de se lhe mudar o nome. Não é, portanto, da minha responsabilidade o adjectivo «experimental», que não faz a outros menos engulhos do que a mim.
Em todo o teatro vivo, como em todas as artes que o são e não mero exercício para divertimento de habilidosos desocupados, o que pertence à experiência e ao ensino de novos processos e de técnicas novas faz parte tão integrante da sua própria essencialidade que me não parece necessário sublinhar-lhe a característica. Mais: por redundante, tal designação parece deixar supor como aceitável um teatro que a não justifique, e nenhuma companhia ou agrupamento de teatro que pretenda realizar obra séria e artisticamente válida poderá deixar de ser, em certos aspectos pelo menos, «experimental», sem o risco de que a sua actuação académica, por mais perfeita, cheire ao desgosto duma exploração comercial sem outra finalidade».
E tinha razão.
Não quer dizer que não se fizeram experiências. Fizeram. A prova está em que T. E. P. lançou as bases do ressurgimento do Teatro em Portugal. Mas que a actividade tenha sido típica e orientadamente experimentalista, não foi.
Uma opinião que também é pessoal: interessa o experimentalismo teatral na nossa época, «aqui e agora»?! Penso bem que não. Antes disso há que divulgar o Teatro. Porque este, diga-se, não tem público. È necessário, sim , levá-lo a toda a parte, a toda a gente. O experimentalismo em Teatro, como em tudo, é atitude intelectual – sem apoio público, popular. Formemos o gosto pelo Teatro, através da sua forma popular, que, claro, não é comercial. Os grandes autores fazem, fizeram teatro para o povo. São eles que devem ser representados, estudados, divulgados. E, pese tudo o que possa pesar, ainda é possível fazê-lo – se esquecermos a gloríola pessoal, o endeusamento pela elite, oculta.
P. – Qual o espírito ou critério que tem presidido à orientação do Conselho de Teatro para a escolha das obras a serem entregues á Companhia?
R. – Ora aí tem: as resposta anterior diz-lhe do critério. Senão vejam-se as peças e os autores da época finda e as previstas para esta: «Jorge Dandin», de Moliére; «A Farsa de Mestre Panthelin», de autor desconhecido francês do séc. XV; «Monólogo do Vaqueiro», «Todo o Mundo e Ninguém»; «O Pranto de Maria Parda», «Farsa de Inês Pereira», de Gil Vicente; «Terra Firme», de Miguel Torga; «Os Burossáurios», de Silvano Ambrogi; «A Carta Perdida», de Ion Luca Caragiale; «O Render dos Heróis», de Cardoso Pires; «D. Gil das calças Verdes», de Tirso de Molina; «O Crime da Cabra», de Renata Palottini; «O Avançado Centro Morreu ao Amanhecer», de Augustin Cuzzani; «O Dia Memorável do Sábio Sr. Wu», de autor anónimo chinês.
P. – Como considera o interesse da criação de uma escola de Teatro, para aperfeiçoamento dos actores integrados na Companhia do T. E. P. e para formação de futuros actores?
Porque não foi criada tal escola até este momento?

R. – Essa é a grande ambição do Círculo de Cultura Teatral. Mas, vejamos: o que interessa como escola? Não será uma organização a sério, com bastantes professores especializados, cadeiras, disciplina, estrutura? Penso que sim. Mas como fazê-lo? Os únicos problemas são: dinheiro e espaço. Uma escola desse tipo, custa centenas de contos se quiser-mos dar-lhe nível e seriedade. Onde buscá-los? O T. E. P. vive do subsídio oficial e da quotização. Ora essas duas receitas «não chegam» para pagar vencimentos e montagens. Como criar a escola? Além, disso dispomos de uma sala permanentemente ocupada. Onde procurar o subsídio para essa escola? Já foi pedido, várias vezes, à única entidade capaz de o dar: a Gulbenkian. Judiciosamente, com argumentação inteligente essa solução foi protelada, ficando nós a aguardar a mudança de determinadas situações.
Claro, há as situações de remédio, que são panaceias –mesmo assim com a sua utilidade: o aproveitamento das pessoas que passam no T. E. P. para ministrarem aulas, aulas, práticas.
Isso se tem feito, isso se está a fazer. È pouco; é o máximo.
Daí ter a Direcção actual concluído ser a melhor e a mais profícua, nas actuais circunstâncias, económicas do C. C. T., de entre todas a soluções possíveis, aquela que se pratica agora – a criação de novos actores mercê de uma intensa actividade prática dando todas as oportunidades e apoio ao ingresso nos quadros do T. E. P. dos que demonstrem ter talento e patenteiem aquele amor que uma profissão exige.
P. – Qual pensa que poderá vir a ser a futura actividade do C. C. T. E do T.E. P.?
R. – Como de início, pioneira,. O T. E. P., pode lançar as bases de autêntico e válido teatro popular. E além disso, continuar sendo o maior e melhor viveiro de actores e encenadores. Penso serem estas as duas grandes linhas mestras da futura actividade.

Monday, November 12, 2007

O primeiro livro de Luiza Neto Jorge



Não é uma edição Afrodite, fica aqui apenas como curiosidade: a capa do primeiro e raro livro de Luiza Neto Jorge, intitulado, A Noite Vertebrada. Foi publicado em Faro, em 1960, com uma tiragem de 300 exemplares. A própria autora desenhou a capa.

Cortesia de Jorge Meireles para esta página.

Tuesday, November 06, 2007

Luiza Neto Jorge



Luiza Neto Jorge para as Edições Afrodite fez algumas traduções, destacando-se a de O Supermacho, de Alfred Jarry. Na Antologia do Humor Negro (AHN), traduziu os textos de Isidore Ducasse – Conde de Lautréamont, Jean Pierre Brisset, Alfred Jarry, Raymond Roussel, Marcel Duchamp e Benjamin Pérert.
Jorge Silva Melo escreveu um texto (do qual aqui publicámos alguns excertos), sobre a autora de A Lume, com referências à tradução da AHN e a alguns dos seus amigos, entre os quais Fernando Ribeiro de Mello.

Luiza Neto Jorge nasceu em 1939. Estudou em Lisboa e viveu em Paris entre 1962 e 1970. A Noite Vertebrada, o seu primeiro livro, foi dado à estampa em 1960. Esteve ligada ao chamado grupo da Poesia 61 que procurou, no início da década de sessenta do século XX, contribuir para renovar a linguagem poética, explorando novas potencialidades gramaticais e semânticas no interior do discurso e na sua inscrição na página.
Consciência feminina da escrita e invenção de uma poesia crua em que o corpo da linguagem se confunde com o corpo do sujeito poético são alguns traços a destacar na sua escrita.
Além de poetisa, Luiza Neto Jorge desenvolveu intensa actividade no domínio da tradução e escreveu para teatro e cinema. Faleceu em 1989, tendo deixado sete títulos de poesia publicados, entre os quais figuram:


O Seu a Seu Tempo (1966)
Os Sítos Sitiados (1973)
A Lume (1989)

Foto e biografia do Instituto Camões