Monday, August 06, 2007

Uma Carta na Mesa


Da edição de Cartas na Mesa de Luiz Pacheco, 1996, da Escritor, onde Serafim Ferreira compilou 42 cartas e postais que o autor de Comunidade lhe endereçou entre 1966 e 1996, publicamos aqui partes da carta n.º 6, datada de 5 Outubro de 1966, onde surgem referências às Edições Afrodite.

Meu Caro Serafim Ferreira(1)

isto nada tem a ver com a sua carta, que me ficou de remissa entre outro correio pendente, porque a passada semana e esta segue na mesma, tenho andado a defender a pele (algo escoriada), a tentar por todos os meios continuar nesta nossa «liberdade» portuguesa, ainda assim preferível aos vinte meses de cadeia que me prometem para a Sertã, afora os dois processos literários de que, à hora derradeira, inventei testemunhas e contestação (para o da Antologia). Aqui, tomei a liberdade de o indicar como minha testemunha (aliás, o nosso Amigo António Paulouro é testemunha do Melo e Castro(2); aliás, ainda, até à véspera do julgamento posso modificar o rol, logo tudo dependerá, agora e sempre, da sua autorização). Como na notificação de culpa (eu já lhe mandei esse delirante documento?) está apontado que a Antologia(3) pode corromper a bela juventude, achei que me conviria, em vez dos figurões com cartaz nas Letras e nas Tretas, na Situação e na Oposição, oferecer os nomes de 3 jovens. E lembrei-me de si. Finalmente, vou ver se consigo que o seu artigo do Jornal de Notícias(4) seja lido em audiência. Com a sua presença, ali, o efeito ficará reforçado e completado. Mas diga o Serafim Ferreira de sua justiça, se lhe apraz, se lhe convém, se não, se está para isso(5).
O Vítor Silva Tavares é testemunha do Ribeiro de Mello; a Edite(6) escusou-se, e não insisti porque ela, coitada, sofre do coração. Mas naturalmente gostei de ver o nome do nosso Director do Fundão. Os processos (literários) já são três, com a apreensão do livro do Masoch e o Editor (Ribeiro de Mello) mai-lo prefaciador (testemunha do Ribeiro de Mello na Antologia), que é o eng. Júlio Moreira, também incriminado. Mais cabeça menos cabeça somos, para já: 13 réus, com o Editor a trisar, umas 150 testemunhas, fora Juízes, Imprensa, carcereiros, advogados (aí uma dúzia), milhares de punhetas batidas à conta do Sade e do Masoch, etc. etc. Há que reconhecê-lo: o Barbachas Mello tem topete. E não pára!
(…)
Mas não fantasiemos: dentro destes 8 dias a minha luta é com os Meretíssimos, o papel selado! 1.º Sertã, depois Antologia (ainda nem tenho advogado, requeri um defensor oficioso); depois, Sade, que já chegou à Boa-Hora, segundo informação do Ribeiro de Mello.


1 - Carta datada das Caldas, 5.Outubro.1966, com esta indicação à margem: «dizem que é feriado nacional. Eu usava luto, a ter gravata», e apenas por mim recebida em 13 desse mês.
2 - E. M. de Melo e Castro
3 - Referência à antologia organizada por Natália Correia, Poesia Portuguesa Erótica a Satírica, Ed. Afrodite, 1965.
4 - Artigo sobre Crítica de Circunstância (Ed. Ulisseia), que saíra no Suplemento Literário do Jornal de Notícias e a que já me referi numa das cartas anteriores.
5 - Respondi prontamente a Luiz Pacheco com esta carta, que é uma das poucas de que guardei cópia:
Meu caro Luiz Pacheco,
É evidente que estranhava o seu silêncio, mas compreendia que V. andasse atarefado com todas as arrelias provocadas pelo Melo, pelo Sade, pelos Tribunais, pelo frio, etc.., etc. Mas não vejo razão para continuar nos pifões, já que isso apenas contribui para agravar mais a sua disposição defensiva, neste caso, a sua posição de defesa como réu no banco dos réus. Respondo à sua longa carta, mas por partes para nos entendermos:
1)É claro que não lhe posso dizer que não, não recuso figurar no rol das suas testemunhas. Mas agradeço-lhe que me diga depois quais os pontos que interessa salientar, isto é, que me dê indicações sobre amaneira como tudo vai decorrer ou pensa que vai decorrer. Quais são as suas outras testemunhas? (...) Já sabe, pois, CONTE COMIGO na lista das suas testemunhas, mas resolva este simples pormenor e diga-me como o resolveu.

(...)
Covilhã, 14. Outubro.1966
Serafim Ferreira

6 - Edite Soeiro
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