Monday, August 27, 2007

Entrevista ao pintor João Hogan


Apresentamos mais uma entrevista conduzida por Fernando Ribeiro de Mello para o Jornal de Letras e Artes. O entrevistado foi o pintor João Hogan (1914 - 1988), para o n.º 140 do referido jornal, com data de 3 de Junho de 1964. Na falta de uma fotografia, aqui fica um "Auto-Retrato", ano de 1959, em óleo sobre tela, do Centro de Arte Moderna de Lisboa.

«Não estamos habituados a «encaixar» as decisões dos júris. É difícil conseguir uma humildade que me parece bastante salutar» - diz-nos João Hogan

As numerosas e veementes controvérsias suscitadas pelo critério que presidiu ao Concelho Técnico para a admissão das obras concorrentes ao Salão Primavera deste ano na S. N. B. A., levaram-nos a procurar um artista de situação já firmada no panorama das nossas Artes Plásticas, para dele registarmos as considerações relativas, que pelo seu tom decisivo e definitivo julgamos poder merecer um interesse geral e bastante significativo nesta oportunidade. Sem querermos, por não nos acharmos nesse direito, assumir uma posição de escolha, de concordância ou não, é nosso intuito registarmos oportunamente os pareceres não só de um outro artista, mas dos recusados àquele Salão, como também de um dos elementos do supracitado Conselho Técnico. João Hogan é uma das pessoas indicadas para ouvirmos tanto mais que lhe foi atribuído o prémio «Silva Porto».

Fernando Ribeiro de Mello/Jornal de Letras e Artes – Como considera o nível das obras concorrentes este ano ao Salão da Primavera da S. N. B. A. ?
João Hogan –
Considero que este ano, todas as obras concorrentes foram de muito baixo nível. De ano para ano as obras apresentadas vão baixando de nível. Este foi, no entanto, o mais escandalosamente inferior. E, repare, abranjo nestas considerações também as obras admitidas.
FRM/JAL – Particularmente, acerca das admitidas...
JH – Não poderia ser sem grave prejuízo para o nível do Salão que se registaram ausências como a dos artistas Charrua, Conduto, Alice Jorge, Sá Nogueira, Menez, Matos, Rogério Ribeiro e outros, isto dentro daqueles que é tradicional concorrerem...
FRM/JLA – Quer revelar as suas preferências dentro das obras admitidas?
JH – Gosto de Nikias, mas ali não; gosto do Abel Manta, mas ali não; Palmela, parece-me de todos, o mais identificado com o nível que lhe é habitual.
FRM/JLA – Gostaríamos que nos falasse das obras recusadas e expostas no salão do mesmo nome simultaneamente com as admitidas.
JH –
Não gostaria de falar. Mas dir-lhe-ei que poderiam ter figurado no Salão de Primavera uma meia dúzia dessas obras. Têm um nível muito aproximado das admitida, mas automaticamente dariam razão para a admissão de outras tantas, e assim sucessivamente até à tradicional ausência de qualquer critério. Entre todos os autores recusados, Espiga Pinto ainda é o que me apresenta mais condições para a admissão. Não falo dos mais novos, que me merecem muito respeito quando não admiração, pois creio ainda não terem atingido quanto é necessário e deles é de aguardar. Julgo que não lograram aquilo que procuraram, ou nos querem fazer que procuram. Nota-se-lhes facilmente uma prisão exterior, num ou noutro caso, mesmo um fim restritamente histriónico, pretendendo uma comunicação só pessoal, conseguida (?) a partir de possibilidades de realização que se confinam à técnica de materiais, sem um conhecimento, efectivo de Arte, sem uma procura estética. Assim, concordo que ao proceder-se À admissão dessas obras, ficariam abalados os princípios que orientaram o C. T. E presidiram às suas decisões. Insisto: se há alguns artistas recusados que considero com valor para serem admitidos, as obras que apresentaram este ano não mereciam do C. T. Essa decisão, talvez, exactamente, por serem de nível inferior ao que lhes é conhecido e exigido.
FRM/JLA – Está, então, de acordo com o critério assumido pelo C. T.?
JH –
Não se tendo candidatado autores tão representativos como os nomes já citados, a situação do júri era, precisamente, esta. Com mais material talvez lhe fosse possível, inclusivamente, afirmar melhor os seus objectivos. Em vista desse material, era impossível ao júri ter optado por outro critério, sem risco de desacreditar.
FRM/JLA – Acha que no momento, balizar outros salões, com um critério menos rigoroso ou que o apresentado nesta Salão de Primavera é o mais indicado para qualquer oportunidade futura?
JH –
Acho que, no momento histórico que vivemos, face ao estado presente das nossas Artes Plásticas, não pode haver lugar para critérios frouxos. Doutro modo, nunca mais passaremos disto, continuaremos eternamente a «marcar passo». Vive-se numa confusão de valores e de conceito, que urge esclarecer definitivamente – o que só poderá ser conseguido quando os C. T. , ou outras entidades a funcionar como tal, para a admissão de obras, tiverem a coragem de se colocar numa posição e de se orientarem por um critério rigoroso como este o fez.
FRM/JLA – Quanto a si, terá constituído alguma utilidade a exposição das obras recusadas a par das admitidas?
JH – De grande utilidade. O critério do júri ficou assim plenamente confirmado e justificado perante a observação das obras recusadas e também nos mostrou que este C. T. Procedeu, repito, com coragem tão necessária para o presente estado das nossas Artes Plásticas.
FRM/JLA – Que significado lhe ofereceram as controvérsias surgidas como consequentes desse critério?
JH – Não estamos habituados a «encaixar» as decisões dos júris. É sempre desagradável ser-se recusado e é difícil conseguir-se uma certa «humildade» que me parece bastante «salutar». È o problema do «desportivismo ao perder»...
FRM/JLA – Como considera a sua obra apresentada, em paralelo com as suas realizações e dentro do Salão dos Admitidos?
JH –
É sempre difícil o artista manifestar opinião crítica, que não subjectiva, em relação à sua própria obra. No entanto, parece-me que a minha obra se integra plenamente dentro da linha e do mínimo de nível que me são habituais e foram exigidos para figurar no discutido Salão.