Wednesday, June 20, 2007

Mais ilustrações de Henrique Manuel nos Textos Malditos






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Origem e atribulações dos textos por isso mesmo malditos nos tempos do fascismo

Em jeito de introdução ao livro de Luiz Pacheco, assim são apresentados (com o mesmo título deste post) os escritos que compõem Textos Malditos:


I – O Libertino passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor

Escrito em Braga na data indicada, ciosamente resguardado durante anos, vencida a barreira do falso pudor lusitano, lido em várias sessões privadas do ano de 1969; 1.ª edição, com «hors-text» de Carlos Ferreiro e posfácio de Júlio Moreira, Janeiro de 1970, esgotada e proibida em Fevereiro-Março do mesmo ano; 2.ª edição, em «stencyl», clandestina, em Luanda; 3.ª edição, semi-clandestina mas vendeu-se à brava, Dezembro de 1972, esgotada.

II – Porto-Lisboa, a pedir esmola

No Verão de 1973, notando que tão queridos Camaradas seus das Letras, como Fernando Namora, Alberto Ferreira, Óscar Lopes, Alexandre Babo e Urbano Tavares Rodrigues se passeavam Mundo fora, pelo Expresso-do-Oriente e, até, pelo Transiberiano, e logo nos vinham relatar, em livro ou crónica, ou depois crónicas em livro, suas interessantes peregrinações, Luiz Pacheco propôs e pediu a José Saramago que o deixasse publicar no «Diário de Lisboa» suas digressões. Assim nasceu a série Viagens Muitas Viagens, toda ela inédita, pois a primeira crónica foi cortada e mau grado pedidos e reclamações na Censura assim ficou por um coronel de merda. O misterioso é onde estaria a perigosidade de texto tão banal. Alguém percebe?

III – Os Doutores, a Salvação e o Menino

Publicado com o título «História Antiga e Conhecida», em 1946, no volume colectivo «Bloco».
Por denúncia de um bufo, Jorge Pelayo, a quase totalidade da edição foi apreendida na tipografia. 2.ª edição, em «stencyl», já com o título modificado e uma capa impressa, com um comentário(1951), distribuição particular. Novamente lançado, em «Crítica de Circunstância», 1966, pela Ulisseia. Edição proibida aproximadamente um mês após o lançamento, mas já quando estava distribuída, vendida e posta a bom recato.
Deste texto, Mário Cesariny de Vasconcelos arranjou uma pecita, publicada pela Minotauro, em 1964, «Um Auto para Jerusalém», e também pouco depois proibida. Levada à cena em 1975 pelo «Grupo dos 7», dirigido por João d´Ávila.

IV – Côro de Escarnho e Lamentação dos Cornudos em volta de S. Pedro

Publicado na «Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica», organizada por Natália Correia (edição de Fernando Ribeiro de Mello – Afrodite, 1965), apreendida e processada (uma, pelo menos, edição clandestina posterior, em 1970). Julgamento no Tribunal Plenário, 1970, e condenação dos sete réus (o oitavo tinha-se marimbando para tudo, falecendo).

V – O Sade Aqui Entre Nós

Publicado na edição de A Filosofia na Alcova, de Sade, por Fernando Ribeiro de Mello – Afrodite, 1966. Apreensão, processo, condenação no Plenário, 1968, por abuso de liberdade de Imprensa, incriminação agravada em relação a Luiz Pacheco por «insultos à magistratura» na pessoa de um refinado fascista e pulha chamado Arelo Manso, que julgara o dito Pacheco em 1960.

VI – Depoimento duma Angolana

Texto que se faz referência n´O Libertino. Lançado em «stencyl», em 1961, poucos meses depois do início da guerra em Angola, por Luiz Pacheco, com a colaboração de António Colaço. O texto é da autoria de Maria Alice Veiga Pereira, sendo os dois parágrafos finais de Alfredo Margarido.

VII – Crítica de Alexandre Pinheiro Torres ao «Libertino»

Crítica de Alexandre Pinheiro Torres para publicação no suplemento literário do «Diário de Lisboa» cortada pela Censura. Uma carta veemente de A P. T., enviada de Inglaterra onde, em Cardiff, era professor universitário, protestando e ameaçando de fazer barulho com o caso nos jornais ingleses levou, depois, a Censura a autorizar a publicação do texto, sem quaisquer cortes.

NOTA: Exceptuando a dedicatória do texto «O Sade Aqui Entre Nós», à qual o autor achou por bem acrescentar em 1977 «e continua na mesma», todos os textos agora reunidos estão rigorosamente conforme as edições anteriores.

3 Ilustrações de Henrique Manuel nos Textos Malditos



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Textos Malditos, de Luiz Pacheco

(edição de Maio de 1977)

Colecção Autores I
Capa e Ilustrações de Henrique Manuel
Edição e arranjo gráfico de Fernando Ribeiro de Mello/Edições Afrodite

À memória do Dr. António Maldonado Freitas e aos Dr. António Maria Pereira e Dr. Fernando da Rocha Calixto felizmente vivíssimos causídicos graciosos do Pequeno Libertino
Off. Ded. & Consagra
O Auctor

Origem e atribulações dos textos por isso mesmo malditos nos tempos do fascismo

Na Contracapa

Esta edição arquiva e resguarda do tempo a inconfundível ficção dum autor cujos textos sofreram – talvez mais do que os de ninguém – a perseguição da moral farisaica (e não só...) que entre nós imperou num passado ainda recente.
Se Luiz Pacheco se pode considerar como um autor «marginal», este rótulo não deriva de qualquer fantasia. O autor esteve de facto «marginalizado» na acepção mais ampla do termo.
Mais amplas se tornaram, no entanto, as liberdades que conquistámos numa manhã de Abril. E de tão amplas nos pregaram tal susto que hoje ainda poderá o leitor interrogar-se acerca do verdadeiro alvo da mordacidade, da irreverência, da iconoclastia, da inegável contundência destes TEXTOS MALDITOS – cuja circulação, na longa noite fascista (é como dizemos), se viu perturbada por obstáculos de vária ordem e desordem, desde a venda subreptícia à mão do comprador (não é retórica!) desde a apreensão até aos sinistro Tribunal Plenário... vade retro!
Estes textos sobrevivem, apesar das censuras e dos atropelos, contestando a boa-consciência ou a «unicidade» do estilo. Escaparam e escaparão – disso estamos certos - àquelas recuperações ou tentações militantes em que o nosso tempo tem sido fértil.

Thursday, June 14, 2007

Luiz Pacheco


Nas Edições Afrodite, Luiz Pacheco começou por ser um dos autores incluídos por Natália Correia na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica com a publicação de um poema inédito, intitulado Côro de Escarnho e Lamentação dos Cornudos em volta de S. Pedro. Em 1969, Pacheco escreveu o prefácio, O Sade Aqui entre nós, da primeira edição de A Filosofia na Alcova do divino Marquês. Ambas as participações tiveram onerosas consequências nos tribunais. No final da década de 60, lado a lado com os consagrados Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Manuel de Lima, integrou a Antologia de Vanguarda com o texto Os Namorados. A passagem de Luiz Pacheco pela Afrodite, culminou no ano de 1977 com uma edição em nome próprio intitulada Textos Malditos.

Luís José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (7 de Maio de 1925 - 5 de Janeiro de 2008) foi escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura. Desde cedo manifestou enorme talento para a escrita. Chegou a frequentar o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, mas devido a dificuldades financeiras teve de abandonar os estudos. A partir de 1946 trabalhou como agente fiscal da Inspecção Geral dos Espectáculos, acabando um dia por se demitir dessas funções, por se ter cansado do emprego. Desde então teve uma vida atribulada, sem ter com que sustentar a família crescente, chegando por vezes a viver na maior das misérias, à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. (Esse período difícil da vida inspirou-lhe o conto Comunidade, considerado por muitos a sua obra-prima.)Começa a publicar a partir de 1945 diversos artigos em vários jornais e revistas, como O Globo, Bloco, Afinidades, O Volante, Diário Ilustrado, Diário Popular e Seara Nova. Em 1950, funda a editora Contraponto, onde publica escritores como Raul Leal, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia, Herberto Hélder, Vergílio Ferreira etc., tendo sido amigo de muitos deles. Dedicou-se à crítica literária e cultural, tornando-se famoso (e temido) pelas suas críticas sarcásticas, irreverentes e polémicas. Denunciou a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime salazarista. A sua obra literária tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente "neo-abjeccionista". É sem dúvida, como pícaro personagem literário, um digno herdeiro de Luís de Camões, Bocage ou Fernando Pessoa. (Biogafia da Wikipédia)


Um sítio dedicado a Luiz Pacheco: aqui.

Balanço

Esta página, criada em Julho de 2006, contabilizou recentemente 10.000 visitas, um número certinho a pedir um pequeno balanço. Contamos mais de 22.000 page views e 113 posts. O objectivo inicial vai-se concretizando: disponibilizar on-line o catálogo e um pouco da história das edições de Fernando Ribeiro de Mello com o selo Afrodite. Já editámos 30 posts com apresentação de livros que podem ser consultados no Catálogo (em construção).
Agradecemos aos que ao longo destes meses têm contribuindo para a construção e divulgação desta página, em especial à família de Fernando Ribeiro de Mello, Henrique Fialho (belo post), António Nascimento (alfarrabista na Ericeira), Jorge Meireles, Letra Livre, Masson e Alexandria na Rua do Século, LX. Destacamos ainda alguns blogs, que nos últimos tempos têm dedicado posts a este, ou simplesmente passaram a ter link para aqui: A Aba de Heisenberg, A Besta Esfolada, Casa de Osso, Da Mariquinhas, Dias Que Voam, Leitura Partilhada, Minha Laranja Amarga e Doce, Notas ao Café, O Funcionário Cansado, Olho da Letra, Viagens Interditas e Vida das Coisas. Estamos também nos endereços úteis da Letra Livre, na página de editoras de Maria do Sameiro Pedro da Escola Superior de Educação de Beja e no blog da Livraria Lumière do Porto.
Por cá vamos continuando, com um ritmo de dois posts por semana, respondendo sempre aos curiosos que nos põem questões por mail.

Jorge Silva Melo

Jorge Silva Melo(JSM), Aníbal Fernandes, Ernesto Sampaio, Isabel Hub Faria, Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes foram os tradutores da Antologia do Humor Negro, de André Breton, Edições Afrodite, Lisboa, Abril de 1973. Dos 45 autores que integram a Antologia, coube a Jorge Silva Melo a tradução dos textos de Friedrich Nietzsche, John Millington Synge, Francis Picabia, Hans Arp e Pablo Picasso.
No Século Passado, encontramos um texto que o fundador dos Artistas Unidos publicou da revista Relâmpago em Abril de 2006, intitulado, Luiza Neto Jorge: A Falta, onde JSM evoca a poetisa que para as Edições Afrodite traduziu O Supermacho, de Alfred Jarry. Nesse texto, há duas singelas referências ao que interessa a esta página:

«E as tardes passaram a ser à mesa de café com a Luiza, anos a fio, estando bom tempo, no Monte-Branco, depois no Monte-Carlo, mal o frio descia. E eram longas tardes, demoradas tardes sem assunto, uma bica, horas a conversar e os amigos dela a chegarem, o Ramos Rosa, (a que ela sempre chamou “o Rosa”), o Herberto, o Gastão, (não me lembro da Fiama nesses cafés, a vida dela era outra), o Ribeiro de Mello, e todo o grupo dos parisienses exilados cá por dentro, o Pignatelli, o Carlos Ferreiro, o Forte, e era muitas vezes a Luiza a única mulher, em mesas por vezes de muita mas mesmo muita gente, dez, doze pessoas, todos falando de coisas comuns, piadas, histórias do dia, iam e vinham as pessoas, a Luiza e mais dois ou três íamos ficando.»

«Donde, desde cedo me convenci que a sua oralidade - que a Luiza tão bem soube trabalhar nas traduções e nos diálogos para cinema – era avessa à sua poesia, mundos paralelos, estanques feitos de tempos diferentes. E havia ainda a sumptuosidade das suas traduções propriamente ditas, as que fazia por empenho literário, Céline, Queneau, a Antologia do Humor Negro, os da sua família electiva. Ou a ferocidade do Verlaine pornográfico. Um caso particular será ainda o Roussel das Descrições de África, tão dela como dele, obra central nesses seus anos finais, pastiche de pastiche, tradução de brinquedo.»

Biografia da página dos Artistas Unidos:

Jorge Silva Melo nasceu no dia 7 de Agosto de 1948 em Lisboa. Estudou na London Film School. Fundou e dirigiu, com Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973/79). Bolseiro da Fundação Gulbenkian, estagiou em Berlim junto de Peter Stein e em Milão junto de Giorgio Strehler. É autor do libreto de Le Château dês Carpathes (baseado em Júlio Verne) de Philippe Hersant, das peças Seis Rapazes Três Raparigas, António, Um Rapaz de Lisboa, O Fim ou Tende Misericórdia de Nós, Prometeu, Num País Onde Não Querem Defender os Meus Direitos, Eu Não Quero Viver baseado em Kleist, de Não Sei (em colaboração com Miguel Borges) e O Navio dos Negros. Fundou em 1995 a sociedade Artistas Unidos de que é director artístico. Realizou as longas-metragens Passagem ou A Meio Caminho, Ninguém Duas Vezes, Agosto, Coitado do Jorge, António, Um Rapaz de Lisboa e os documentários António Palolo e Joaquim Bravo, Évora, 1985, etc, etc, Felicidades. Traduziu obras de Carlo Goldoni, Luigi Pirandello, Oscar Wilde, Bertolt Brecht, Georg Büchner, Lovecraft, Michelangelo Antonioni, Pier Paolo Pasolini, Heiner Müller e Harold Pinter.

Friday, June 08, 2007

Esclarecimento Necessário

Às palavras de Virgílio Martinho na folha «Funções de Cesariny», o Jornal de Letras e Artes, na edição de nº 261 de Maio de 1968, assim respondeu:

Esclarecimento necessário


A propósito de certos rumores que chegaram ao nosso conhecimento, desejamos comunicar o seguinte: por termos verificado pelo último trabalho que nos entregou – crítica a «Textos Locais» de Luís Pacheco – que a sua orientação e concepção da crítica não coincidem com as que são preconizadas pela direcção do Jornal, esta, e quantos nele trabalham, resolveram, por unanimidade, deixar de confiar ao escritor Virgílio Martinho a secção permanente que tinha seu cargo.
Cumpre-nos assinalar que tal facto não afecta a consideração pessoal e artística que Virgílio Martinho nos merece, pelo que esperamos continuar a contá-lo entre os nossos colaboradores, embora de futuro apenas a título eventual.

Funções de Cesariny

No folheto «As Avelãs do Cesariny», Fernando Ribeiro de Mello começa por apresentar o autor de Pena Capital, como «grande poeta surrealista-funcionário-Censor do Jornal de Letras e Artes». A acusação de censor, fundamenta-se na folha «Funções de Cesariny», de Virgílio Martinho, onde este, acusa o poeta surrealista de ter «suprimido arbitrariamente» a publicação da crítica referente a «Textos Locais» de Luiz Pacheco. É a imagem de um raro exemplar dessa folha que apresentamos:



Funções de Cesariny

Mário Cesariny de Vasconcelos, secretário do «Jornal de Letras e Artes», no exercício das suas funções de empregado escritor deste jornal resolveu suprimir arbitrariamente a crítica referente a «Textos Locais» de Luiz Pacheco, conquistando assim um posto policiário que o integra no senso comum e o reabilita definitivamente na ordem cultural daqui.


ou por outras palavras:


Sabia que foi poeta dos bons
Sabia que foi surrealista
Sabia que é também pintor
Sabia que se António Maria Lisboa
estivesse cá ele não era assim
Sabia que é estratega das letras e artes
Sabia que foi do Marquês da Sade
Sabia que mete a tesoura no Breton e até no Arthur Miller
Sabia da sua inclinação patriótica pela Vieira da Silva
Sabia que a Fundação Gulbenkian o queria
Sabia que está cadáver exquisito
Sabia que ganha a vida com surrealismo de cá
e lá por grosso e a retalho

Sabia mas achei sempre graça
Porque não sabia que
ERA CENSOR

Agora que sei e por haver muitos
Comunico a sua recente profissão


Virgílio Martinho

Abril de 68

As Avelãs do Cesariny

(As Avelãs do Cesariny – Fernando Ribeiro de Mello, 1968. Raro folheto de quatro páginas com texto sobre polémica entre Fernando Ribeiro de Mello e Mário Cesariny de Vasconcelos)

De Mário Cesariny de Vasconcelos, grande poeta surrealista-funcionário-Censor(1) do Jornal de Letras e Artes, ex-delegado-delegou-se do Breton para o Café Gelo, antologiador-surrealista-à-portuguesa, detentor de múltiplos pseudónimos-iniciais secretos e assanhados contra não simpatizantes, pintador-surrealista, pensador-pictural-Vieira da Silva, bolseiro em Paris, veraneante do Solar de Pascoais em Amarante, do de Ricarte-Dácio em Londres, dos direitos de autor dos antologiados quando como e onde lhe apraz, veio à luz um papelucho canto de cisne só e abandonado(2) pacientemente bordado de rameirices ronha raiva e ranho e muito menopáusico no qual se esquiva de Luiz Pacheco, morde os signatários de um já esquecido texto em defesa de Sade, diz que tem coragem e, num generoso gesto de modéstia (?), em lugar de «tomates» «umas avelãnzitas»(3). Mais diz que não quer ser Papa, nem sequer Pároco, que é igual em tudo ao A. de Campos (!), que os colegas surrealistas que o abandonaram são «meninos-pequeninos», que os textos não da sua lavra são uma merda, que qualquer professor conclui que os autores merda são, que no Jornal de Noticias, dito jornal de gralhas, não há direito de lhe porem o retrato em baixo (sem dignidade nenhuma) e dos outros em cima, que todos lhe têm tanto respeitinho que mesmo insultado-os eles ficam quietinhos(4), que aqueles que o lançaram literáriamente e a quem dedica madrigais sempre foram com seu documentado conhecimento uns denunciantes, que constata a miséria física e moral em que os outros se extinguem, que João Gaspar Simões lhe dá sempre razão, que está com ele, que Eduardo Prado Coelho também, que tudo se prova com um Sr. Luís Pignatelli, e que por tudo isto: é «nobre», é «cidadão», é «tribunal de consciência», é «luz da razão», é «a razão humana», tá fora da «restolhada».
Mas nada disso nos diz respeito, embora nos divirta. Já o mesmo não acontece com certa passagem do texto(5) da qual daremos um rápido esclarecimento aos leitores incautos do inquisitorial papelucho do poeta.
Assim, saibam quantos o leram que:
1.º - O nosso descatedrado delegado do Breton, Mário Cesariny, sabendo que eu contratara Herberto Helder para traduzir «La Philosophie dans le Boudoir» de Sade, corajosamente me propôs traduzir também a Correspondência do Marquês que ele mesmo prefaciaria para eu editar. Aceitei.
Mas logo entrou às arreCUas, acabando por desvinCUlar-se desse compromisso quando verificou estarem as autoridades judiciais a proceder ao levantamento de um processo-crime à Antologia de Poesia Erótica e Satírica Portuguesa, por mim igualmente editada(6).
2.º - O tão exigente e intransigente poeta, não obstante ter já vindo a público e conhecer a «edição idiota de «La Philosophie dans Le Bodoir», filha maneta de um comerciante excitado» – Oh! comercial lapso! Oh! comercial necessidade – tomou a simpática iniciativa de prometer ao responsável pela «autêntica associação de malfeitores»(7) dar-lhe proximamente para editar a sua preciosa versão das «Iluminações» de Rimbaud (?!)(8), filha dos seus maiores desvelos de tradutor e ao longo de muitos anos heroicamente defendida das mãos impuras dos comerciantes editores.
3.º - Que eu seja comerciante, para ninguém será motivo de espanto já que sou editor.
a) Que eu tenha sido comerciante com a edição do Sade, quando é do público conhecimento ter sido mais de metade da tiragem apreendida pela polícia, sendo obrigado a pagar pesada multa para remir a pena a que o Tribunal Plenário da Boa-Hora me condenou, é coisa só talvez possível ao inocente cérebro de M. C. que (ao que parece) dispõe de secretos e exclusivos processos CUmerciais.
b) Que M. C. me pretenda censurar, talvez ofender, a mim editor, por ser comerciante, ele escritor, é coisa que não esperava. A única censura que até à data me dirigiu foi numa Recensão Crítica(9) em que manifestava o seu desagrado pela qualidade literária de uma Antologia por mim publicada, no que está no seu pleno direito, longe de mim contestá-lo, até por significativo, como também não contestei o desagrado pela mesma obra manifestado pelo Sr. Rodrigo Emílio no «Diário da Manhã»(10), com quem o nosso «destomatado» Cesariny amigavelmente emparceira. Mas em qualquer dos presbitérios os desagrados (desagravos?...) nada clamavam de ordem comercial...
C) Inclusivamente, o juízo crítico emitido por este empreiteiro da moral literária e intelectual no início das citadas recensões era, ao contrário daquela com que logo me metralhava, muito precauto e desvelado. Nele bradava o seu agrado, mesmo apologia da sexagenária arte poética do autor de um “Manual do Libertino”, de nome António Pinheiro Guimarães, ao que se diz generoso mecenas dos quadros chulorealistas que o inCUrrupto Cesariny vai vender ao Porto.
Ora, tranquilamente, tudo me leva a crer que essa do «comerciante excitado», a não ser lapso, é o próprio espelho do tão íntegro M. C. de Vasconcelos.
4.º - De «um prefaciador em apuros» e de «um ilustrador a milhas de distância» é discutível e acima de tudo insólito, particularmente se considerarmos os actuais apuros de dignidade solitária das «avelãzitas» de Vasconcelos e a distância entre o que lhe convém a ele CUrial juiz e o que importava do Sade.
5.º - De «um tradutor merdoso que despacha para o preto que eu não sei quem é» é brincadeira, pela certa. Para além do muito que se poderia alegar, o tradutor foi a tribunal sem pedir os «tomates» emprestados ao Mário Cesariny das “avelãzitas”, coisa que se a este inquisidor já seucudeu, não foi certamente por causa e com «aqueles»... Por outro lado é brincadeira, para Cesariny, essa coisa de «pretos», dada a escravatura(11) deles que muitos sabem tem utilizado. E nós até sabemos quem são, ou foram. Aí vai um para lhe refrescar a imaCUlada memória: José Manuel Simões, na tradução de «O Vento», de Claude Simon.
E é tudo no que pessoalmente me importava desbaratizar o papelucho deste inesperado e só agora desoculto justiceiro.
Quanto ao «Tribunal de consciência onde editores, tradutores e prefaciadores deste género terão um dia de comparecer» este nosso insólito guardião dos bons costumes (que não quer ser Papa – diz que no Vaticano já houve um – nem sequer Pároco) de recente cátedra no Jornal de Letras e Artes (onde nos ensina Ortografia por causa do Jornais do Porto) pondo o dedinho moralizador em riste, mais parece um padreca, coisa desde há alguns séculos nem no Vaticano possível dada a necessária «verificação» dos «tomates». Padreca. Isso mesmo! Em concordância até quando, por qualquer esquisitíssimo transvio psicológico, em lugar de Luís diz «Luisona» e ao pretender barafustões é traído e sai-lhe «barafustonas».
Muito bem, Sua padreca!

Lisboa, Julho de 1968
Fernando Ribeiro de Mello

1 - Veja-se a folha «Funções de Cesariny» de Virgílio Martinho
2 - Talvez não tanto como isso. Além do Rodrigo Emílio, critico literário do «Diário da Manhã», a Mocidade Portuguesa (Programa da E. N. «Rádio Universidade» em que lhe foram oferecidos poemas e do qual M. C. nos surge como Musa e Mentor de talentosos jovens poetas) parece também acompanhá-lo fraternalmente. Se se tornar necessário, poderemos acrescentar a lista dos seus acompanhantes.
3 - Talvez possamos dar uma achega para nem pevides.
4 - É mentira. Virgílio Martinho rasgou-lhe o dito papel na cara. Ele é que ficou quietinho.
5 - «a autêntica associação de malfeitores que promoveu a primeira e já agora única edição mundial idiota de «La Philosophie dans le Boudoir», de Sade, filha maneta de um comerciante excitado, de um prefaciador em apuros, de um tradutor merdoso que despacha para o preto que eu não sei quem é e de um ilustrador a milhas de distância».
6 - Cruzeiro Seixas, um dos solidários com as “avelãzitas” de M. C. na não assinatura do tão vitimado texto em defesa de Sade, simultaneamente e pelas mesmas razões deu às de vila diogo em relação ao compromisso de realizar as ilustrações para a minha edição da Philosophie, tendo eu que recorrer aos “tomates” do suicidado João Rodrigues.
7 - «...autêntica associação de malfeitores». Estranha maneira de um Surrealista, ainda que ex - , classificar quem incorreu em processo-crime levantado pelo Tribunal Plenário de Lisboa.
8 - Precisamente poucos dias após a saída do citado texto que M. C. não assinou. Presentes: Virgílio Martinho e Ricarte-Dácio.
9 - Jornal de Letras e Artes, última fornada. Essas Recensões são responsabilizadas (!) com as iniciais L. A. que Mário C. pessoalmente me informou serem suas.
10 - «Diário da Manhã», 9-5-68.
11 - Cruzeiro Seixas, seu fiel correligionário em não assinaturas, também conhece o cumércio. Mas nas artes gráficas. Tenho experiência pessoal. Pois é, «diz-me com quem andas..»

ERRATA

Onde se lê seucudeu, leia-se sucedeu...
Onde se lê Cruzeiro Seixas, leia-se: Cruzeiro Seixas.
Omitem-se as gralhas que não prejudicam a verdadeira compreensão do texto...