Tuesday, March 20, 2007

Algumas edições que não o chegaram a ser

Mário Cesariny

Segundo o texto de Fernando Ribeiro de Mello no folheto As Avelãs do Cesariny, chegou a estar prevista uma edição da correspondência do Marquês de Sade. Mário Cesariny terá apresentado a proposta a Ribeiro de Mello, encarregando-se da tradução e prefácio, mas posteriormente desinteressou-se de tal projecto.

No lançamento do livro «19 Projectos de Prémio Aldonso Ortigão seguidos de Poemas de Londres», edição da Livraria Quadrante (Lisboa, 1971), Mário Cesariny concedeu a Maria Teresa Horta uma entrevista para o jornal A Capital, de 4-8-1971. À última pergunta (Tem qualquer outro lançamento em projecto?), Cesariny respondeu: "
Um disco que gravei para a Philips com versos de 1942-49. E um livro que entreguei ao Ribeiro de Mello com cartas e desenhos colectivos de mais ou menos todos os surrealistas em Português e de alguns outros que existem em Paris, Chicago, Amsterdam." Cesariny terá entregue, mas não chegou a haver edição Afrodite.

Conforme anunciado na badana da edição da Antologia do Humor Português, na colecção Antologia, chegaram a estar previstas as edições de dois volumes, mas que nunca chegaram a ser editados:

- Dos Doidos Literários, Heteróclitos e Marginais
- Da Crueldade

Os Normalizados, de Christian Jelen

(edição de Março de 1978)

Colecção Doutrina / Intervenção
Prefácio de Pierre Daix
Posfácio de Illios Yanna Kakis
Tradução de Maria Guilhermina Ramalho
Capa de Jorge Cardoso
Edição e arranjo gráfico de Fernando Ribeiro de Mello / Edições Afrodite

Na contracapa


Este livro é, antes de mais, uma verificação autenticada: o socialismo de inspiração soviética perpetua as alienações que o regime capitalista começou a desenvolver. Por muito traumatizante que seja esta afirmação, ela não tem nada de escandaloso, não só porque personalidades como Pierre Daix garantem a sua veracidade, mas também porque existem provas de convicção do dossier; foram tiradas da imprensa, embora censurada, dos países de Leste, uma Imprensa, que Christian Jelen sistematicamente analisou durante três anos.

Não se trata agora da questão de abordar, uma vez mais, o socialismo soviético a partir do terror estalinista e dos grandes processos dos anos 50, dos campos de trabalhos forçados, dos asilos psiquiátricos e das depurações. Trata-se apenas da vida quotidiana de milhões de pessoas anónimas, da ausência de democracia nas empresas, do reino dos chefes pequenos e grandes, das dificuldades de abastecimento e da habitação, dos milhares de regulamentações administrativas que obrigam aqueles que são esmagados por elas a fugir à lei. Partindo destes factos, pode dizer-se que as sociedades da Europa de Leste se caracterizam concretamente pela inversão dos valores que deram origem, ao movimento socialista.

Este livro faz-nos viver, impiedosamente, o que se esconde por detrás da teoria e das aparências: a deterioração das relações entre os indivíduos – violência e egoísmo sem escrúpulos tornam-se qualidades sociais – a penúria que dá origem à inveja e ao roubo sistemático da propriedade colectiva, a vigilância policial que leva os cidadãos a refugiarem-se num individualismo exacerbado, a insegurança financeira dos trabalhadores, que os leva ao trabalho «escuro» melhor remunerado, a taxa muito elevada de emprego nas mulheres, o que conduz a uma forte percentagem de divórcios e a uma baixa trágica na natalidade, sem falar das neuroses, do alcoolismo e da delinquência juvenil.

Todos estes comportamentos, assim como outros relatados aqui, confirmam a urgência para a esquerda ocidental de uma análise imparcial e sem rodeios das experiências da Europa e Leste. Somente uma tal análise permitirá que outras experiências se concretizem e desenvolvam de uma forma radicalmente diferente.

Saturday, March 10, 2007

Recensão crítica à Antologia do Conto Abominável

Publicada do Jornal de Letras e Artes (nº 273, Janeiro de 1970) assinada por M. C. (Mário Cesariny?).

ABOMINÁVEL

O recente aparecimento de uma antologia do conto abominável (Ed. AFRODITE) sugere algumas reflexões sobre o critério adoptado na selecção das histórias e relativamente à possível e imponderável intervenção dos textos apresentados.
Uma concepção objectiva da realidade objectiva é apenas uma forma de visão, cujas limitadas dimensões se vão alargando à medida em que aquilo que em nós era suspeita acaba por se integrar no quotidiano. O abominável quotidiano exige uma resposta reflexiva. E os termos dessa resposta impõem uma capacidade de assimilação – executada – de formas diversas, de formas diferentes, de níveis vários da realidade. Qual o poder de intervenção do abominável perante a inconsciência denominada por alguns (bastantes) sociólogos como consciência colectiva? É um poder relacionado com a individualidade. Os massacres são reais – objectivamente reais. A brutalidade é a norma de competição na sobrevivência. Mas em relação aos agregados passa despercebida. O impacto da crueldade, da abominação (que implica a admissão de valores morais) é sentido por cada indivíduo. O valor da denúncia da abominação consiste exactamente em provocar, em cada um, certa reacção perante a sua imagem, ou, melhor, perante aspectos ainda indeterminados na sua imagem. Que a maioria dos contos desta Antologia do Abominável nos seja aparentemente estranha é facto que provém apenas da superficialidade dos mitos comuns e menores que aceitamos para uma maior facilidade vivencial. Tudo se passa ao lado, com o outro.
O horror acontece ao vizinho, quase sempre pouco próximo, despreocupadamente esquecível. Assistimos ao abominável com a tranquila consciência duma imunidade provável e da ausência pessoal de culpa. E quem ousa transgredir tal modo de vida (?) ou desmascará-lo é atirado para fora do jogo ou encarnado como inventor de futilidades, mais ou menos escabrosas, anormais. A leitura das páginas desta antologia pode divertir aqueles para quem a literatura é um onanismo um tanto requintado, erudito, inconfessado. Mas pode também alargar o conhecimento que possuímos do nosso potencial de destruição e de ódio. É contudo necessária uma atitude de liberdade atenta perante as palavras, o espelho que constituem, onde se reflecte o universo obscuro das hipóteses abomináveis que nos são subjacentes.
É de estranhar a omissão de Franz Kafka neste volume. Mas talvez que as proporções do livro – dependentes das intervenções a elaborar – não consentissem a inclusão de textos um pouco mais extensos. Além disso, seleccionar é estabelecer um critério, sempre discutível. No entanto parece que a presença de Kafka nesta recolha antológica contribuiria para reforçar a sua agressividade positiva.
A desfiguração do homem, a sua submissão aos processos de luta pela vida institucionalizados através do assassinato, da deformação, das mutilações, das torturas, da escravização, da prepotência, não pertence ao domínio da intervenção gratuita para entretenimento das horas vagas. Todavia cabe ao domínio da invenção explorar o paralelo entre o acontecido e a zona incógnita das capacidades latentes da pessoa humana. Se as histórias abomináveis se aproximam frequentemente do humor negro é porque em ambos os casos a fantasia abre campo à virtualidade de nos concebermos em situações que correspondem a desejos ocultos, vinganças frustradas, aspirações afundadas num subconsciente cuja configuração é já o resultado de uma desfiguração inicial:
- Esta maneira de vivermos(?).
Sabemos quanto entre o real e o imaginário a distância é acidental, de perspectiva. Por isso que estes contos do abominável agora apresentados em língua portuguesa contribuem para acentuar ao significado das monstruosidades à nossa vista todos os dias, nas circunstâncias de uma normalidade tanto mais aberrante quanto ultrapassa de facto qualquer divagação no campo da irrealidade.
Desde Não esperavam outra coisa de Dino Buzzati, passando por O massagista negro de Tenesse Williams até As formigas de Boris Vian (três dos contos mais notáveis da colectânea), encontramos repetidamente a intenção de uma proposta: a de que por parte da violência em nós contida tudo é de esperar.
Como pertinentemente refere Vítor Silva Tavares no seu prefácio
«existe no imaginário toda uma infraestrutura realista, mais o que se dirige à sensibilidade e à inteligência crítica de cada qual».
Imaginário como forma de expressão e não como forma de solipsismo. A abominação reside em nós e as fronteiras entre a ficção e o real são-nos dadas fundamentalmente pela impossibilidade circunstancial de efectivarmos até às últimas consequências os nossos impulsos em direcção à loucura (esperemos um pouco e talvez algumas bombas hiper-super-qualquer-coisa venham confirmar - inutilmente – esta asserção). Não nos resta sequer o direito de afirmar que as advertências faltaram. Acontece que a revolta não vai além do umbigo e tudo o mais é aleatório. Coma bem, durma sossegado, seja feliz. E se por acaso for vítima de alguma desgraça, trata-se de um engano imprevisível, destinado ao companheiro do lado, um abominável incidente que por distracção a inteligência x ou o senso divinatório – não registara com a devida antecipação.
A ficção serve-nos de aviso, quando assume a forma de uma agressão aos paradigmas que utilizamos para justificação da existência falseada desde os seus fundamentos gregários. A linguagem do delírio põe à nossa disposição alguns elementos para verificação do estado de doença de uma sociedade onde o indivíduo é utilizado como coisa, pretensamente porque tal processo o beneficiaria, torna melhores as suas condições de subsistência. A linguagem do delírio conduz a uma lógica irrefutável nos seus termos: quem não têm cabeça, não paga nada. Cortem-se as cabeças e os problemas económicos (e os outros) estarão resolvidos. Ou então – e dentro da mesma linguagem delirante – continuemos a usar as grandes palavras, (Amor, Liberdade, Paz, Conhecimento, etc., etc.) pois que, só por serem pronunciadas, tudo solucionam.
Há que referir, no que diz respeito ao aspecto formal, o cuidado do antologiador, na apresentação propriamente literária dos textos. Uma língua escorreita, sem o vício retórico, bem rara na maior parte do que por aí se produz para consumo dos leitores portugueses, habituados a absorver todas as beberragens, contrafacções e mistelas.
Que existem omissões – é verificável. Mas não se exige de um antologia que ela englobe a totalidade do que se pode incluir no critério que a determina.
O volume, tal como está, é suficientemente contundente (ou divertido, para quem assim o queira ler). E eficaz, como proposição para meditações sobre a interferência do irracional na nossa maneira de estarmos aqui.

Que belo post no Almocreve das Petas

Saturday, March 03, 2007

O processo da edição da Filosofia na Alcova: arguidos, advogados, sentenças e testemunhas


1.º arguido
Fernando Ribeiro de Mello
, Editor
Advogado: Manuel João da Palma Carlos
Sentença: Oito meses de prisão substituídos por uma multa de 50$00 por dia, em igual tempo de multa à mesma taxa e a um imposto de justiça de 2000$00.
Testemunhas: David Mourão-Ferreira, José Augusto França, João Palma Ferreira, José Blanc de Portugal, Tomáz Ribas, Victor Silva Tavares, Virgílio Martinho, Liberto Cruz, Rui Mário Gonçalves, Alexandre O´Neill.

2.º arguido
António Manuel Calado Trindade, Tradutor
Advogado: Jorge Sampaio.
Sentença: Seis meses de prisão substituídos por uma multa de 15$00 por dia, em igual tempo de multa à mesma taxa e a um imposto de justiça de 800$00.
Testemunhas: António Manuel Jacob Fragoso, Sérgio Neves Pereira da Silva, Alberto Sampaio de Melo e Carvalho.

3.º Arguido
Herberto Helder
, «cúmplice»
Advogado: Luís Francisco Rebelo
Sentença: Três meses de prisão substituídos por uma multa de 25$00 por dia, em igual a tempo de multa à mesma taxa e a um imposto de justiça de 1000$00.
Testemunhas: Marcelino Vespeira, Alexandre Babo, Luis de Sttau Monteiro, Rolando Augusto de Sá Nogueira, Maria de Fátima Ferreira Lemos.

4.º arguido
Luiz Pacheco,
escreveu um prefácio
Advogado: Fernando da Rocha Calisto.
Sentença: Seis meses de prisão substituídos por uma multa de 20$00 por dia, em igual tempo de multa à mesma taxa e a um imposto de justiça de 900$00; pela honra do Dr. Arnelo Manso gozado na pronúncia, acusado de «cegueta» quando se travara de devassidão comercializada «mai-la sua moralidadezinha», 10 000$00.
Testemunhas: Virgílio Martinho, Jaime Salazar Sampaio, Vitorino Nemésio, Jorge Listopad, Virgílio Ferreira, Ruy Jayme Corrêa de Mello

5.º arguido
João Rodrigues
, Ilustrador (faleceu antes da audiência)
Advogado: João Lopes Alves
Testemunhas: João da Câmara Leme, Rolando Augusto de Sá Nogueira, Leopoldo Neves de Almeida, Maurício de Vasconcellos, Rogério Paulo, Gérard Castello-Lopes, António Alçada Baptista, Ricarte-Dácio de Sousa Oliveira, António José Veloso, Cristiano de Freitas.

David Mourão-Ferreira escreveu um prefácio, mas não chegou a ser constituído arguido.

A Filosofia na Alcova, Marquês de Sade, edição de 1966



A 3ª Guerra Mundial já Começou, de Jacques Bergier

(edição de Março de 1977)
capa

Tradução de José Martins Garcia
Capa de Nuno Amorim
Prefácio especial do autor para a edição portuguesa
Colecção Documentos
Na contracapa
Desvios de aviões, captura de reféns, ataques a embaixadas..., o terrorismo apresenta-se-nos como uma série de acontecimentos aparentemente desconexos.
Na verdade, trata-se claramente de combates nas diversas frentes da Terceira Guerra Mundial!
Qual a finalidade desta guerra? Provocar na Europa continental e na Grã-Bretanha uma tal desintegração que as potências do pacto de Varsóvia sejam «obrigadas» a intervir. Quanto aos Estados Unidos, não se oporiam a semelhante intervenção...
Isto não é uma visão romanesca, nascida da imaginação de Jacques Bergier. Pelo contrário. E a nível oficial, personalidades autorizadas, como por exemplo o comandante Styles, director do serviço antiminas em Belfast, afirmaram que
a Terceira Guerra Mundial já Começou. E os que a comandam, em Havana e noutros sítios, não escondem os seus projectos – tal como Hitler não escondia os dele.
O autor deste livro tão convincente quanto aterrador não emite qualquer juízo de valor. Talvez a Europa tenha até merecido o seu destino... Também não faz prognósticos: Hitler não começou por obter vitórias sensacionais para acabar como se sabe? É possível que o organismo director de Terceira Guerra Mundial, a que o autor chama, para simplificar, «Interterror», esteja em vias de comer o primeiro milho...
Seja como for, Jacques Bergier conhece admiravelmente o assunto: recebeu as mais altas condecorações francesas e estrangeiras pela sua actividade terrorista durante a Segunda Guerra Mundial... Nem moralista, nem político, apresenta-se como simples técnico, decidido a fazer chegar ao conhecimento do público informações da mais alta importância.

Promoção da Antologia do Humor Português nos Eléctricos de Lisboa




D. Tomás de Noronha e Padre Manuel Bernardes na Antologia do Humor Português

indíce temático

D. Tomás de Noronha (...? – 1651)

Os poemas de D. Tomás de Noronha foram publicados na Fénix Renascida. Deve porém dizer-se que não estão lá todos. O editor teve o cuidado de ignorar as composições demasiado chocantes, limitando-se a publicar aquelas que podiam passar na censura e não causar dilemas às sensibilidades pudibundas.

D. Tomás de Noronha foi fidalgo de muitos pergaminhos, mas pobre. Segundo as crónicas, fez rir o povo do seu tempo e corar os da sua estirpe pela representação pouco conveniente que de si deixou transparecer.

Beberrão, duas vezes casado, devasso, viveu sempre de gargalhada pronta e sabedoria ácida. Não perdoou nem foi perdoado. Acabou naturalmente na miséria como é de uso acontecer aos menos avisados e aos mais libertos dos mitos menores do mundo. Portanto, um homem marginal à sua época, para quem o humor foi o que é sempre: uma forma de não estar bem com os legisladores.

Ao Padre Girão, frade franciscano, por fazer os versos compridos

Padre Girão, se a vossa reverência,
Lhe deu licença o louro patriarca,
Para fazer os versos mais da marca,
Bem dada foi em sua consciência.

Porém se lha não deu, mostre vocência
Exemplo em Camões, Lope ou Petrarca,
E não me ande por aqui roçando alparca,
Porque me dá com um pau na paciência.

Se a musa de vocência é centopeia,
Sevandija do charco do Pegaso,
Versos faça – com Deus! – de légua e meia.

Porém se algum coimeiro do Parnaso,
Lhos levar por compridos à cadeia,
Que há de fazer vocência neste caso?

Padre Manuel Bernardes (1644-1710)

Manuel Bernardes nasceu em Lisboa, filho de família pobre e pouco exemplar. Após receber dos jesuítas a instrução básica, no Colégio de Santo Antão, prosseguiu os estudos na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito Canónico e Pontifício, tomando então ordens sacras.

O seu afã em salvar algumas, poucas, almas, advém da sua convicção de que às penas eternas, quase toda gente estaria destinada. Este cristianismo simplório, cingido às verdades do confessionário, incapaz de se elevar a qualquer problemática filosófica, expresso literariamente através de um estilo especioso carregado de citações, distínguos, antíteses subtis, trocadilhos, paradoxos, adivinhas, remete inexoravelmente o nosso autor para esta antologia, onde figura como digno representante de um tipo de humor involuntário que será porventura uma das mais constantes linhas de força da nossa História, e não só literária.

Degeneração do Portugal

As espadas largas degeneraram em cotós, e os capacetes se trocaram em perucas; já o pente em vez de se fincar na barba ensanguentada se finca publicamente na cabeleira, alvejando com polvilhos. Cheiram os homens a mulheres; não a Marte, mas a Vénus. Quem havia de imitar ao grande Albuquerque, prendendo a barba no cinto, se já não há novas de cintos, nem de barbas? Quem haveria de sair aos leões em África, se é mais gostoso estar no camarote em Lisboa, gracejando com as farsantes e atirado-lhes já com chiste, já com dobrões? Ou como se haviam adestrar em ambas as selas, andando pelas ruas bamboleando nas seges. Amoleceu-nos a infusão dos costumes estrangeiros, que veneramos, devendo aborrecê-los; e nós, que estamos no fim da terra, ficamos no meio do mar de suas depravações.

( In Nova Floresta)

Os textos aqui apresentados, são somente alguns excertos do que está publicado na AHP.

Agradecimentos ao Masson, mais uma vez, pela divulgação dada a esta página.

Promoção da Antologia do Humor Português na Bertrand do Chiado






Excertos do Prefácio à Antologia do Humor Português


Já André Breton chamou a atenção para o facto de estarem mais ou menos condenados a perecer rapidamente todos os sistemas e obras isentos de humor: é que, dados os condicionalismos do inferno e da sensibilidade especificamente modernos, o humor é a única forma elevada de comunicação (a mais rara e difícil) e o único meio de resistir eficazmente ao temporal da loucura que sobre nós desaba assim que saímos à rua. Pára-raios, tinta de chocos, «veneno para entornar nos olhos do gigantes»(1) ou arte de desorganizar o arbitrariamente organizado, o humor é, na admirável definição de Léon Pierre-Quint(2), uma revolta superior do espírito. Na hierarquia das faculdades humanas, o sentido de humor garante a quem o possui integralmente o poder de insubmissão, a capacidade de recusar em absoluto todos os valores e princípios situados para além dos limites extremos do entendimento, na zona do dogma e da deificação irracional. Ao assegurar a invulnerabilidade da mais íntima humanidade do homem, ao rejeitar as experiências aniquilantes e os sofrimentos impostos ao indivíduo pela realidade exterior, ao preservar o espírito dos traumatismos intelectuais e efectivos que tendem a retirar ao ego a plena liberdade de decisão sobre o seu próprio destino, o humor na sua expressão mais elevada significa o triunfo da liberdade sobre a necessidade, dos poderes do espírito sobre as condições da vida. Neste plano, o humor comporta sempre um elemento sublime, apto a libertar e a exaltar a razão e o coração, elemento que tem tudo a ver -, não só com a revolta contra o espectáculo do mundo e das suas instituições, com o repúdio ferozmente sarcástico dos artifícios caducos do sentimentalismo burguês e das manias delirantes e de perseguição que constituem o arsenal do bom-senso, ou com a desmontagem minuciosa dos mecanismos de exploração, que só funcionam quando lubrificados com os santos óleos da metafísica e da razão de Estado -, mas também com a transformação da vida, com a esperança de descobrir um sentido menos precário às razões de viver.

Aqui chegados, resta-nos mencionar o humor, no ponto de cruzamento do desejo sem meios e dos meios sem desejo, como suprema lucidez, arte de denunciar e perseguir até aos seus covis mais recônditos os absurdos de uma situação irrisória e injusta em todos os planos, de uma lei fundamentada no dinheiro, no horror ao corpo, na baixeza obrigatória do espírito, no incessante atentado ao amor, a todos os poderes de afirmação e criação do homem livre, do homem que não cabe nos esquemas daqueles que ao comprarem a sua força de trabalho pretendem comprá-lo todo, em corpo, e alma.

A sorrir ou a ranger os dentes, o humor destrói a visão convencional do mundo, duvida de todas as definições lapidares, corrige todas as teorias definitivas, é, em suma, contra a esclerose e o imobilismo triunfantes, o melhor meio de conquistar e manter na sua forma mais pura a independência e a liberdade.

Organizar antologias de humor (literário) é incorrer naturalmente numa tentativa de historiar o que entre nós não passa de tendência dispersa e quantas vezes rara. Mesmo assim, embora com discutível critério, seleccionámos as páginas que se seguem, partindo dos cancioneiros e rematando nos dias de hoje. De muitos dos autores registámos fragmentos de obras, doutros demos trechos por inteiro. Sempre que foi caso disso, preferimos não truncar os textos, sacrificando à vasta representação de autores que reputámos essenciais outros cuja omissão chocará o leitor mais exigente (Chiado, Vieira, Guilherme d´Azevedo, Júlio Dinis, Cardoso Pires, etc.), mas que os limites deste volume, mais dilatados do que em principio pretendíamos, já não comportavam. É evidente que uma antologia deverá ter a sua economia própria, inserir ao autores mais representativos de determinada época ou movimento, aspirar a uma síntese. Tudo isto foi nossa intenção conseguir. Não pretendemos ter uma ideia original neste assunto, nem tão-pouco esgotá-lo: quisemos apenas não trair o filão mais importante do humor português, que é representado na nossa literatura pela sátira.

Ernesto Sampaio
Lisboa, Novembro de 1969

1 – Discurso sobre a reabilitação do real quotidiano, Mário Cesariny de Vasconcelos
2 – Le comte de Lautréamont et Dieu

Lançamento da Antologia do Humor Português





Imagens do lançamento da Antologia do Humor Português. Em Lisboa, na Livraria Quadrante, Fernando Ribeiro de Mello (à esquerda) está acompanhado do jornalista João Paulo Guerra do Rádio Clube Português. Nas duas últimas fotos está a senhora de Eduardo Ferreira - gestor da Quadrante. Agradecemos à família de Fernando Ribeiro de Mello, a cedência destas imagens e de outras a publicar brevemente.

Antologia do Humor Português

(edição de 1969)


Colecção Antologia

Selecção e Notas: Vergílio Martinho e Ernesto Sampaio
Prefácio: Ernesto Sampaio
Capa e Paginação: Sena da Silva
Desenhos: Carlos Ferreiro, Eduardo Batarda, João Machado, José Rodrigues
Os autores e o editor agradecem a colaboração de: Arq. Leonor Oliveira, David Mourão-Ferreira, Jorge Antunes, José Marques de Abreu, Luís Pestana, Ricarte Dácio de Sousa e Vítor Silva Tavares.

Livro vulgarmente conhecido como o tijolo (pela espessura das suas 1008 páginas e coloração laranja da capa), ou o livro da dentadura.


A Antologia do Humor Português contém sessenta e dois autores. Inicia-se com Cantigas d´Escarnho e Mal Dizer e termina nos nossos dias. Inclui textos, entre outros, de Gil Vicente, Fernão Mendes Pinto, D. Francisco Manuel de Melo, Padre Manuel Bernardes, Autor Anónimo da Arte de Furtar, Cavaleiro de Oliveira, António José da Silva, Nicolau Tolentino de Almeida, José Agostinho de Macedo, Manuel Maria Barbosa du Bocage, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Gomes Leal, Cesário Verde, Fialho de Almeida, Teixeira-Gomes, António Feijó, Mário Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Rodrigues Miguéis, Branquinho da Fonseca, Ruben A., Manuel de Lima, Natália Correia, Alexandre O´Neill, Mário Cesariny, António Maria Lisboa.

Texto na badana

A ideia que presidiu à organização da Antologia do Humor Português foi a de evitar tanto quanto possível o riso fácil, preferindo-se seleccionar autores e textos em que o humor tivesse função crítica e demonstrativa de duma literatura maior, indo-se assim ao encontro do possível autêntico «espírito» português. Na verdade, um humor que fosse forma de libertação e elevação, como diz Freud, e não de degradação. A tarefa não foi impossível. De Gil Vicente aos dias de hoje existe de facto na nossa literatura uma linha de força expressa pela sátira, pela crítica de costumes e pela farsa, que corresponde inteiramente ao critério adoptado. Critério que pode caber no que Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão escreveram no primeiro número de As Farpas: «Vamos rir. O riso é um castigo, uma filosofia». E nestas palavras a Antologia do Humor Português tem toda a sua justificação. Pois encerra a força de uma gente que sempre necessitou de criar uma linguagem adaptada às circunstâncias, de dissimular os seus processos de exteriorização, de reter os seus impulsos mais íntimos.
Numa palavra, de dosear cautelosamente o ranger dos seus dentes. E é aqui que se encontra o ponto crucial do humor nosso, o seu sinal mais importante e profundo. Forma de riso resultante que gravita longe do domínios do sonho, das esferas do irreal, antes se radica, e por vezes com que força e arte, no mundo palpável, vivente, processando-se através da gargalhada exuberante, do verbo caudaloso, do chiste sem piedade, do sarcasmo, da caricatura, do pormenor burlesco, da louvaminha tendenciosa, da violência, da crueldade, da felicidade, da ironia, do absurdo, da regra moral até, do grotesco, enfim, das muitas formas que podem compor o humor, de modo a repetir ou aceitar o que se odeia, o que se ama ou o que se despreza.

Reedição de Uma Rosa na Tromba de Um Elefante


António José Forte é o autor do livro de poesia infanto-juvenil Uma Rosa na Tromba de Um Elefante editado em 1973 por Fernando Ribeiro de Mello, na Colecção Infantil Cabra-Cega. A editora Parceria A. M. Pereira chegou a fazer uma reedição (entretanto esgotada) deste livro, com capa e desenhos de Aldina.